AGRONOMIA
Contextualização do Sistema Plantio Direto como manejo conservacionista na produção de grãos do Brasil
Eng. Agr. Dr. Renato Levien, Eng. Agr. Dr. Michael Mazurana
(renatole@gmail.com – michael.mazurana@gmail.com)
Faculdade de Agronomia - UFRGS
A produção de grãos no Brasil teve considerável aumento em quantidade, em especial depois da adoção massiva da mecanização tratorizada, o que permitiu expandir os cultivos, antes mais concentrados nas regiões Sul e Sudeste, para novas áreas, como Centro-Oeste e, atualmente, para os Estados que compõem a Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e Sealba (Sergipe, Alagoas e Bahia). Embora o Brasil, ano após ano, registre recordes de produção de grãos, o mesmo não pode ser dito sobre a produtividade das principais commodities, que nos últimos 30 anos não chegaram a dobrar, apesar de investimentos cada vez maiores em terras, fertilizantes, máquinas, genética, produtos fitossanitários e mão de obra. Várias podem ser as causas para a lenta evolução da produtividade das culturas produtoras de grãos no Brasil, em especial às relacionadas aos sistemas de manejo empregados e às condições climáticas, como os longos períodos de estiagem ou com deficiência hídrica pontual. Muito estudo e esforço por parte da pesquisa, órgãos de extensão e dos agricultores foram necessários para que efetivamente no Brasil fossem implementadas práticas ou sistemas de manejo de solo mais conservacionistas do que o preparo convencional, baseado no revolvimento e desagregação do solo com uso de arados, grades ou enxadas rotativas (Figura 1). Consequentemente, ocorria a incorporação dos restos culturais, exposição do solo às chuvas e às altas temperaturas, culminando, em geral, em elevadas perdas de solo, água, nutrientes e de matéria orgânica por decomposição microbiana acelerada e por processos erosivos. Passados mais de 35 anos da efetiva adoção do Sistema Plantio Direto (SPD) no Brasil, se observa que a área cultivada com grãos atingiu um pico ao redor dos 37 milhões de hectares e que, nos últimos dez anos, tem se mantido nesse patamar ou reduzindo. Conclui-se que, mesmo para as culturas produtoras de grãos, mais de 30 milhões de hectares no Brasil ainda são conduzidos por outros sistemas de manejo, que não o SPD.
Figura 1. Sistemas de preparo de solo com aração e gradagem (esquerda) e reduzido, com uso de escarificadores (direita).
A pergunta que fica é clara e objetiva: quais são as causas da não ampliação das áreas com emprego do SPD? E outra pergunta mais atual: as áreas ditas e entendidas atualmente como sendo manejadas sob SPD seguem os preceitos fundamentais da técnica, que são a mínima mobilização do solo (restrita somente à linha de semeadura), a manutenção de uma quantidade de massa de resíduos sobre e dentro do solo ao longo de todo o ano, a rotação de culturas e o tráfego de rodados ou de animais que não exceda a capacidade de suporte de carga do solo? Sabe-se que atualmente muitas lavouras estão realizando apenas a semeadura direta (SD) e não empregando o conceito de SPD. Porém, mesmo as áreas onde se faz apenas a SD, aparecem nas estatísticas como sendo de SPD. Uma das premissas para a adoção de sistemas de manejo mais conservacionistas é a economia em horas/máquina, de combustível e tempo, em relação ao preparo convencional ou cultivo mínimo (Figura 1). Na prática, isso, hoje em dia, nem sempre é verdadeiro, em função de problemas de manejo do solo e das culturas ou consequência natural devido ao tempo de adoção do SPD. Basicamente podemos citar duas causas principais para a não expansão de área e ou a descaracterização do SPD ao longo dos anos: o aumento do estado de compactação do solo e a resistência das plantas daninhas, pragas ou doenças ao método de controle químico, ou seja, com uso de produtos fitossanitários, destacando-se, dentre eles, os herbicidas (Figura 2). A compactação do solo tem levado ao uso de sulcador tipo “botinha” ou facão estreito nas semeadoras-adubadoras para promover um “afrouxamento” do solo, pelo menos na linha da semeadura das culturas (Figura 2).
Figura 2. Semeadura direta com boa cobertura de solo e facão sulcador como mecanismo rompedor de solo em semeadora-adubadora (esquerda) e semeadura com pouca produção de palhada (direita), fruto de um sistema de integração com pecuária mal dimensionado.
Em situações mais severas de aumento da densidade do solo, os agricultores têm recorrido ao uso de escarificadores (Figura 1), que deveriam mobilizar o solo até a profundidade em que o processo de compactação se faz realmente presente. Nesse aspecto, ainda há muitas dúvidas quanto à metodologia empregada para o diagnóstico do estado de compactação do solo, bem como parâmetros técnicos para indicar a melhor forma de intervenção para a sua descompactação, seja mecânica (imediata) ou biológica (ao longo do tempo). Muitos dos equipamentos, como os penetrômetros (Figura 3), são utilizados de forma indiscriminada e nem sempre os valores lidos podem ser considerados indicadores de compactação do solo que seja restritiva ao desenvolvimento de culturas no SPD. Ferramentas como o diagnóstico rápido da estrutura do solo – Dress, desenvolvido pela Embrapa, têm sido posicionadas como alternativa e/ou complementar ao uso de penetrômetros. No caso de ocorrência de plantas daninhas resistentes ao controle por meio de herbicidas, por exemplo, muitos agricultores recorrem ao controle mecânico, sendo mais frequente o uso de grades intermediárias, ou seja, nem as classificadas como niveladoras e nem as como aradoras. Deve-se analisar as causas para ocorrência acentuada de resistências de plantas daninhas, pragas e doenças nos SPD, que podem ter várias origens, como a não utilização de rotação de culturas nas lavouras e erros na semeadura (falhos ou duplos) e na aplicação das gotas via pulverização (regulagens dos pulverizadores, escolha das pontas, condições climáticas não favoráveis, composição da calda, emprego dos mesmos princípios ativos, mistura de vários produtos). Para alguns, tanto o uso de escarificadores como de grades, pode afetar o SPD de forma positiva ou negativa.
Figura 3. Determinação do grau de degradação física do solo, identificada por meio da compactação do solo. A esquerda, com uso de penetrômetria, e à direita, com o Dresss.
Por positivo entendem o menor gasto com produtos tóxicos e possibilidade de semi-incorporação de insumos (corretivos e fertilizantes) a maiores profundidades no perfil do solo. Por negativo entendem a redução da cobertura do solo e exposição do mesmo às altas temperaturas e aos processos erosivos, aceleração da decomposição da matéria orgânica e maior gasto com máquinas, combustível e mão de obra. A escarificação, prática que substituiu as arações e gradagens há vários anos, deve ser realizada quando realmente necessária em áreas de SPD, seguindo alguns princípios básicos, como a escolha da época correta (logo após as colheitas das culturas no verão) e quando a umidade do solo estiver na faixa da friabilidade, ou seja, o solo não se apresenta com consistência nem muito seca e nem muito úmida. Nesse sentido, os escarificadores dotados de rolos destorroadores na sua parte traseira fornecem um excelente indicativo operacional, pois os torrões ou o próprio solo fica aderido a ele quando o mesmo estiver muito seco ou muito úmido, respectivamente, impedindo o seu uso. Também deve ser observado o espaçamento correto entre as hastes e a largura mínima das ponteiras, a fim de promover uma descompactação uniforme e efetiva na profundidade desejada e em toda a sua largura (não deixar locais no perfil sem mobilização). É importante também aproveitar para aplicar, antes da escarificação, insumos como calcário, gesso ou nutrientes, de acordo com recomendação técnica, baseada em análises do solo. Neste sentido, já há questionamentos sobre em qual camada do solo as amostras devem ser coletadas para envio aos laboratórios de análise, se de 0 a 20 cm ou de 0 a 40 cm. A principal justificativa para coleta e análise do solo até 40 cm é que uma correção e a adubação nessa camada favoreceria o desenvolvimento do sistema radicular das culturas de grãos em maior profundidade e, consequentemente, haveria maior disponibilidade de água às plantas em casos de ocorrência de períodos com deficiência hídrica leve à moderada. Também é fundamental a semeadura de culturas de cobertura imediatamente após a escarificação, ou melhor ainda, junto com essa operação, dosando as sementes e distribuindo-as sobre o solo antes na passagem do rolo destorroador. Isso permite que o solo se reestruture biologicamente (efeito principal das raízes) ao longo do período de desenvolvimento das culturas de cobertura, permitindo suporte mínimo para o tráfego de rodados dos tratores e máquinas utilizados nas operações relativas à implantação e condução das culturas de grãos na primavera e verão, já novamente em semeadura direta, visando a volta ao SPD. Outro questionamento do SPD é a necessidade ou não de práticas complementares, como o terraceamento, o qual muitas vezes é visto como impedimento ou dificuldade para operação de conjuntos mecanizados de maior capacidade operacional, como colhedoras e pulverizadores, especialmente em regiões com relevo mais declivoso. Assim, muitos produtores usuários do SPD eliminam totalmente o sistema de terraceamento das suas lavouras (Figura 4). Entendem que a palhada na superfície e o sistema radicular das culturas sejam suficientes para o controle dos processos erosivos, o que nem sempre acontece na prática. Quanto a não utilização da prática da rotação de culturas, os motivos são vários, sendo os principais, no nosso entendimento, a questão econômica, de mercado e a facilidade operacional e gerencial de se cultivar apenas uma ou duas culturas na propriedade durante o ano agrícola. Muitos produtores buscam compartilhar o SPD com outras técnicas, como a Integração Lavoura Pecuária, que tem se mostrado viável, mas exige um planejamento mais detalhado e técnico do sistema agropecuário. Concluindo, entendemos que o SPD não é um sistema de manejo consolidado em todas as lavouras produtoras de grãos no Brasil. O SPD necessita de constante pesquisa, integrada com a extensão e os produtores, para que o mesmo possa ampliar sua área aos que ainda empregam o preparo convencional ou cultivo mínimo, bem como buscar soluções para os problemas que podem ocorrer em função do tempo de adoção do sistema.
Figura 4. Eliminação de terraceamento (esquerda) e potencialização de problemas de erosão (direita) em área com pouca palhada na superfície e com ausência de terraceamento.