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CIVIL

O desempenho dos sistemas construtivos de casas e apartamentos como fator de decisão nas etapas de projetos e execução


Ao projetar e executar um imóvel residencial, você considera o desempenho dessa edificação como fator de escolhas técnicas e tomada de decisões?


Sha

Jeferson Ost Patzlaff

Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Civil

Professor na Unisinos e consultor técnico em desempenho das

edificações, cuja tese de Doutorado foi concluída e aprovada em agosto/2021

E-mail: jefersonop@unisinos.br 


Bernardo Fonseca Tutikian

Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Civil

Professor na Unisinos e consultor técnico em patologia das

edificações e materiais aplicados à construção civil

E-mail: bftutikian@unisinos.br  

 

Com algum atraso, entrou em vigor no Brasil, em julho de 2013, a Norma de Desempenho de Edificações Habitacionais (ABNT NBR 15575), organizada em seis partes e que contempla o comportamento em uso de edificações residenciais novas, projetadas a partir da data da sua vigência, ao estabelecer requisitos e critérios aplicáveis às edificações como um todo integrado. Isso significa projetar, construir e implementar rotinas de manutenção, na fase de uso, considerando conceitos de desempenho e o aumento do controle sobre a edificação, almejando, entre outras diretrizes, promover o comportamento requerido e maximizar a vida útil das edificações.

 

Ao longo desses nove anos, o mercado foi promovendo ajustes e mudanças, por ocasião do desenvolvimento do projeto arquitetônico e complementares, escolhas de materiais e insumos a partir de informações técnicas de comportamento em uso desses elementos (a partir de ensaios realizados em escala real), bem como na consideração do contexto de inserção das edificações, o que é premissa básica – um empreendimento qualquer, com todas as suas características e complexidades, apresentará comportamento diferente se edificado em Porto Alegre ou Fortaleza, por exemplo. Inclusive, por conta de necessidades de ajustes, partes da Norma de Desempenho foram atualizadas, com publicações de novas versões em 2021.  

Entretanto, ainda que atender ao estabelecido na Norma de Desempenho seja complexo, por conta da quantidade de requisitos contemplados e exigência de caráter de conhecimentos multidisciplinares, é fundamental a sua aplicação, visando oferecer ao mercado, imóveis com características de comportamento em uso conhecido. Numa rápida analogia ao mercado de automóveis, ao optar por determinado fabricante e modelo, é rotina que o consumidor avalie aspectos como espaço interno, consumo, custo de manutenção preventiva e de seguro, performance e perspectiva de depreciação ao longo do tempo, entre outros aspectos, além do apelo estético. Porque, ao escolher uma casa ou apartamento, que tem o propósito de manter suas características e atender em período superior ao automóvel, não é uma prática de mercado, informar e avaliar as condições comportamentais de determinada edificação, quando da sua compra/venda? 

Voltando à aplicação da Norma de Desempenho, essa tem o propósito de atender aos requisitos do usuário a partir das escolhas técnicas que são realizadas, independentemente dos seus materiais constituintes e do sistema construtivo utilizado, expondo características para o comportamento em uso dos sistemas e não na prescrição do seu processo construtivo, o que vem ao encontro à perspectiva de utilização de diferentes tecnologias construtivas, consideradas as características do contexto de inserção da edificação, como clima, condições de insolação, intensidade de ruídos, classe de agressividade, entre outros aspectos de fundamental análise.

São treze as categorias contempladas pela Norma de Desempenho (ABNT, 2021), distribuídas em três grupos – Segurança, Habitabilidade e Sustentabilidade que, por sua vez, totalizam mais de cem requisitos, enquanto parte destes requisitos apresenta previsão de desempenho em níveis (I) ou (S), além do (M), de atendimento obrigatório. O Quadro 1correlaciona a expectativa de durabilidade dos sistemas contemplados aos padrões de desempenho (M), (I) e (S), segundo a Norma (ABNT, 2021).

Baseado no Quadro 1, a VUP correspondente ao nível de desempenho (S) e (I), que é 50% e 25% superior à VUP de nível de desempenho (M), respectivamente. A VU (Vida Útil) dos diferentes sistemas é diferente, o que por óbvio deve ser levado em conta por ocasião da realização dos projetos, especificações e definições do ponto de vista técnico, já que os insumos e componentes utilizados degradam-se em tempos diferentes, além da própria condição técnica de substituição dos elementos, mais simples ou complexa, dependendo do sistema ao qual atrelado. E, nessa linha, surge o questionamento frente à relação entre o incremento de custo e de desempenho.

Os conjuntos de requisitos, que seguem a numeração padrão ao longo das seis partes da Norma – itens 7 a 18, estão divididos nos três grupos de atributos da seguinte maneira (ANBT, 2013; ABNT, 2021):

a) Segurança: Desempenho estrutural (7), Segurança contra incêndio (8) e Segurança no uso e na operação (9);

b) Habitabilidade: Estanqueidade (10), Desempenho térmico (11), Desempenho acústico (12), Desempenho lumínico (13), Saúde, higiene e qualidade do ar (15), Funcionalidade e acessibilidade (16) e Conforto tátil e antropodinâmico (17);

c) Sustentabilidade: Durabilidade e Manutenibilidade (14) e Impacto ambiental (18);

A Figura 1 apresenta a matriz que correlaciona os grupos de requisitos estabelecidos pela Norma de Desempenho e os respectivos sistemas contemplados a partir das seis partes da Norma.

A partir da Figura 1, é possível identificar que a Norma de Desempenho contempla 120 requisitos, cuja aplicabilidade deve ser avaliada a partir das características da edificação. Alguns destes, são específicos a edificações residenciais de múltiplos pavimentos e a casas geminadas ou isoladas, por exemplo. Do total, 20 deles são avaliáveis em nível Intermediário e Superior (além do nível Mínimo), estes pertencem a alguns (ou todos) dos requisitos sinalizados a partir das combinações com a hachura na cor amarela, ou seja, nesses grupos. 

De modo geral, as informações técnicas relacionadas às possibilidades que envolvem a escolha de insumos, componentes e soluções disponíveis no mercado não são suficientes, demodo a viabilizar a tomada de decisão, por parte de projetistas, construtores e incorporadores, no que tange aos níveis de desempenho previstos na ABNT NBR 15575. Ou seja, há uma lacuna, por entender-se não ser possível estabelecer uma relação de tendência entre o custo direto associado ao respectivo nível de desempenho– (M), (I) ou (S), independentemente do padrão de acabamento.

Nas práticas atuais do mercado da construção civil, ao especificar e divulgar comercialmente o padrão de um empreendimentoqualquer,este, por sua vez, refere-se exclusivamente ao padrão de acabamento, sem relação com padrão de desempenho. As denominações usuais principais são alto, médio, baixo, popular, interesse social e econômico, referindo-se às características de acabamento. Os valores praticados pelo mercado têm relação com as suas características construtivas associadas aos materiais e elementos utilizados. Entretanto, é possível afirmar que o padrão de acabamento não é diretamente proporcional ao padrão de desempenho, imóveis de baixo padrão de acabamento podem apresentar desempenho superior em alguns (ou todos os) requisitos e vice-versa.  

 

Por sua vez, a Norma de Desempenho também expressa, de forma direta, as incumbências técnicas dos membros dos processos deconcepção, construção e uso, o que está retratado no Quadro 2, com a ideia de que, para alcançar o desempenho requerido, este devem desenvolver adequadamente suas responsabilidades (ABNT, 2021).

O Quadro 2 expressa as responsabilidades das diferentes partes e dá respaldo, ao usuário (e/ou proprietário), no sentido de exigir que as empresas construtoras e/ou incorporadoras atendam, ao menos, os requisitos mínimos de desempenho ao longo da vida útil da edificação. Mas, por sua vez, são obrigados a realizar as rotinas de manutenção estabelecidas pelos primeiros, além de utilizar a edificação em conformidade com as condições previamente estabelecidas.

Diante desse cenário, cabe aos técnicos a responsabilidade de aplicar os requisitos estabelecidos pela Norma por ocasião do desenvolvimento do projeto arquitetônico e dos projetos complementares, a partir de especificações detalhadas que levem às composições dos sistemas contemplados, baseados nas informações técnicas disponibilizadas pelos fornecedores. Por exemplo, objetivando atender às condicionantes térmicas e acústicas estabelecidas relacionadas ao SVVE – Sistema de Vedação Vertical Externo, é preciso conhecer o comportamento do conjunto formado pelos elementos constituintes das paredes (simplificadamente, pelos blocos + camadas de revestimentos + esquadrias). Ficou no passado a especificação baseada exclusivamente na espessura da parede. E esse comportamento será melhor ou pior, dependendo da localização dessa edificação. Uma casa cujas paredes sejam constituídas por blocos que apresentem potencial de desempenho elevado, porém com esquadrias inadequadas para o contexto, proporcionará ao usuário um ambiente com desempenho menor do que o necessário, muitas vezes, inclusive, abaixo do padrão mínimo estabelecido pela Norma.E essa característica impactará no custo de uso da edificação, que demandará mais (ou menos) energia para climatizar artificialmente os ambientes.

E outro ponto de atenção, como sequência aos cuidados técnicos nas fases de projetos e execução, é orientar e exigir do usuário a realização das rotinas de manutenção preventiva e de recuperação, quando da ocorrência de falha em algum sistema. Para tanto, é preciso disponibilizar ao usuário a lista e os procedimentos necessários ao longo da vida útil dessa edificação, o que também é elaborado de forma individual, considerando os materiais e insumos utilizados, além do contexto de localização do imóvel. Novamente, da mesma forma que os automóveis, nossas edificações demandam procedimentos de manutenção em função do regime de uso e das suas particularidades construtivas.

As escolhas e procedimentos construtivos que impactarão o comportamento em uso da edificação dão-se nas etapas iniciais do ciclo de vida, por ocasião da concepção, definições de projeto e processo construtivo. As questões mais sensíveis (como durabilidade, comportamento térmico e comportamento acústico, entre outras), pouco podem ser modificadas na fase de uso, sem que ocorram intervenções mais consistentes e onerosas. E, por óbvio, também é importante que nossas escolhas e definições estejam embasadas em produtos certificados, que tenham sido objeto de ensaios e avaliações amparadas em processos normatizados.

Diante desse contexto complexo, mais do que obrigação em atender as especificações estabelecidas para o desempenho das edificações habitacionais, parece ser uma tendência de mercado que as informações relacionadas ao comportamento em uso sejam, cada vez mais, divulgadas pelos incorporadores no material publicitários de seus imóveis. E que os consumidores façam suas escolhas e aquisições baseadas nos aspectos de desempenho, associados aos habituais. Um dos fatores de tomada de decisão passa a associar-se a critérios objetivos de comportamento em uso dessa edificação, numa relação que contempla o investimento inicial de aquisição e os valores previstos para a realização das manutenções preventivas.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15575-1: edificações habitacionais: desempenho – parte 1: requisitos gerais. Rio de Janeiro: ABNT, 2021.

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