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climatologista Carlos Nobre

Climatologista Carlos Nobre, primeiro brasileiro a receber o prêmio de diplomacia científica

Por Jô Santucci / jornalista 

O primeiro brasileiro a receber o Prêmio de Diplomacia científica e especialista em impactos das mudanças climáticas na Amazônia, é o homenageado do ano do Prêmio de Diplomacia Científica da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). O climatologista Carlos Nobre, graduado em  Engenharia Eletrônica  pelo  Instituto Tecnológico de Aeronáutica em 1974, e que começou no ano seguinte a trabalhar em Manaus no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia  (INPA), é um dos principais cientistas brasileiros na linha de frente dos estudos sobre a devastação da Amazônia e seus impactos no clima global. Reconhecido internacionalmente por chamar a atenção sobre as mudanças climáticas, o cientista conversou com a Conselho em Revista e destacou:

 

 

Conselho em Revista – As mudanças climáticas já são uma realidade? 

Engenheiro Carlos Nobre – São uma clara realidade e as tragédias, os desastres, os extremos vêm acontecendo com mais frequência e intensidade, como ondas de calor, chuvas intensas, inundações, secas, incêndios florestais e quebras de safra. A ciência mostra com muita clareza que esse aumento é diretamente consequência do aquecimento global, da ação humana que lança na atmosfera esses gases do efeito estufa em grande quantidade. O planeta já está 1,2 graus mais quente e esse aquecimento está provocando a maioria do aumento da intensidade e da frequência desses eventos climáticos. 

 

CR – Quais são os principais desafios para um País como o nosso? 

CN – Os grandes desafios são em primeiro lugar, o que é preconizado pelo Acordo de Paris e que eu considero o maior desafio que a humanidade já enfrentou, não deixar a temperatura ultrapassar 1,5 graus em relação ao final do século XIX. Ela já aumentou entre 1,1 e 1,2. Estamos na beira do precipício. Para não passar dessa marca, precisamos reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50%, em relação às emissões atuais, até 2030. De fato, se analisarmos as emissões no início de 2022, elas estão aumentando, principalmente da queima de combustíveis fósseis, carvão, petróleo e gás natural, da agricultura e do desmatamento. Esse é o enorme desafio pois não estamos vendo uma rápida transição para uma economia de baixo-baixíssimo carbono. Estamos vendo uma transição muito lenta para essa economia e o aumento das emissões. Tivemos uma redução de 6 a 7% durante a pandemia, principalmente pela redução nos automóveis e transportes. Mas as emissões já voltaram a crescer em 2021 aos níveis 2019. 

 

O Brasil, por exemplo, foi um dos poucos países que tiveram aumento nas emissões em 2020. Mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa vêm do desmatamento e da agricultura. Apenas 25% vêm da queima de combustíveis fósseis. Então o enorme desafio e a grande preocupação é se vamos, de fato, atingir esse objetivo e, até meados do século, zerar as emissões e, na segunda metade, precisamos retirar uma grande quantidade de carbono da atmosfera. A maneira mais razoável e barata de retirar esse carbono é plantar árvores, pois durante seu crescimento elas retiram o carbono. Um hectare de árvores crescendo retira entre 10 e 15 toneladas de gás carbônico por ano da atmosfera e dura cerca de 30 anos. A restauração florestal é a maneira mais barata e que faz mais sentido para retirar o gás carbônico da atmosfera. 

CR – Por que preservar a Amazônia é importante? 

CN – O que nós vimos como avanço, por exemplo, desde 2007, é que houve o Acordo de Paris. Este acordo coloca metas muito ambiciosas e fala que não podemos deixar a temperatura subir 2 graus e, depois, com a Cop26 em Glasgow, ela foi mais restritiva ainda, baixando para 1,5 grau. Houve a assinatura de todos os países para buscar essa meta. É difícil? Sim, mas não é impossível. Houve um enorme avanço da ciência e da tecnologia. Hoje, quase 70% das emissões globais dos gases de efeito estufa são oriundos de queima de combustíveis fósseis. Já existem energias renováveis que economicamente são mais efetivas e baratas que os combustíveis fósseis. Por isso, é possível aumentar muito a velocidade dessa transição. Porém, ainda é uma transição lenta e esse é o perigo. Além disso, há a emissão oriunda da agricultura. Nessa área, há a chamada agricultura regenerativa, em que há o plantio de árvores e com isso você faz essa agricultura ser carbono neutro. Desta forma, o que você emite de carbono é neutralizado pelas árvores. E pode-se zerar os desmatamentos tropicais. Já há uma área gigantesca desmatada e a produtividade agrícola nestas áreas é muito baixa, podendo-se inclusive regenerar estas áreas.  

Assista a entrevista:

Os setores econômicos tradicionais, como o de energia fóssil, têm muito poder econômico e político. O setor econômico da agricultura tradicional, como no Brasil, tem um enorme poder político, basta olhar o tamanho da bancada ruralista no Congresso, e eles dificultam muito esta transição. Então, factível é, mas a transição é muito lenta. Muitos pesquisadores são pessimistas. 

A outra questão que temos que atuar e que oferece enormes desafios é a questão de como tornar a sociedade, o sistema econômico e os sistemas naturais, mais resilientes às mudanças climáticas que já ocorreram e todas que irão ocorrer nas próximas décadas, mesmo se tivermos sucesso no Acordo de Paris. Se a temperatura aumentar 1,5 grau, esses eventos extremos vão acontecer mais frequentemente. Será preciso construir mecanismos e adaptar os sistemas econômicos e agrícolas, e a proteção da natureza e humana. Tudo isso é muito prejudicial à saúde humana e continuará sendo. Portanto, tornar a sociedade e o planeta mais resilientes exige muitas ações. A ciência e a tecnologia têm avançado muito nisso, mas a velocidade em que nós estamos implementando essas ações é muito lenta e o poder político anda contra.  

Podemos dar o exemplo do Brasil. O Sistema Confea/Crea deveria ter uma posição. O Conselho defende, logicamente, o setor da construção. Agora, está no Congresso uma mudança que elimina a faixa costeira de 8.500 km de costa do Brasil de proteção da Marinha. A Marinha tem direito a 50 metros de toda a costa; é propriedade da União. A Câmara vota eliminando este direito, tornando o espaço em propriedade privada. É um desejo do setor imobiliário de construção. Poxa vida, o nível do mar está subindo. Já subiu 25 cm na costa brasileira. É um terror liberar essa área para a construção civil. Eu recomendo fortemente que o Sistema Confea/Crea se manifeste e que se articule com o setor da construção para tirar o excesso de poder político.  

 

Outro exemplo, no Rio Grande do Sul, o rio Guaíba em Porto Alegre. Se o nível do mar subir 50 ou 80 centímetros, como se prevê até o final do século, a região metropolitana de Porto Alegre já se modifica totalmente. Em inúmeras áreas o nível do mar irá subir. Há algumas soluções de Engenharia, mas não para acomodar 8.500 km de extensão da costa.  

 

Outro exemplo: 500 mil pessoas moram na região de Jacarepaguá e que está meio metro acima do nível do mar. Até o final do século, ninguém mais poderá morar nesse local. Essas 500 mil pessoas terão que ser retiradas desse lugar. Existir essa lei, que corta essa área da Marinha e torna o ambiente passível de construções do setor privado, é uma coisa que não pode acontecer. A resiliência precisa olhar todos os setores. 

Vou dar outro dado para você ver como a situação é preocupante. Mesmo se conseguirmos manter a temperatura em 1,5º, o nível do mar vai continuar a subir por mais de um milênio. Em 1500 anos, com o aumento de 1,5 grau, o nível do mar irá aumentar 3 metros. Lógico, 1500 anos está em um futuro muito distante, ninguém sabe como estará o planeta, mas pode-se ter uma ideia de como será necessário nos adaptarmos, portanto, resiliência. Temos 9 milhões de brasileiros morando em áreas de risco e mais de 3 milhões em regiões de altíssimo risco. Há soluções de Engenharia? Há. Foram criadas proteções, barreiras de contenção antideslizamento, por exemplo. Porém, em Petrópolis há pessoas morando em regiões com 45º de inclinação, não existe solução da Engenharia para isso. 

 

O Código Florestal prevê que se deve deixar, pelo menos, 30 metros de cada lado de rios, como este que corta Petrópolis. Quando você olha a maioria dos rios cortando regiões metropolitanas de São Paulo, a população vive, principalmente pessoas pobres, nas margens dos rios. Tem que mudar muito e o setor de Engenharia tem muito a ajudar na busca por soluções. Zonas costeiras, áreas de risco, saúde humana são todas áreas que necessitam de adaptação. 

CR – Hoje a meteorologia está muito avançada e há como prever certas situações. Muitos danos e perdas poderiam ter sido evitadas. Como não há uma consciência ou equilíbrio nas ações? Não há um monitoramento destas tragédias? 

 

CN - Quando ocorreu o maior desastre da história do Brasil de origem de chuvas intensas, em 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, ainda não havia no Brasil um sistema de alerta de desastres. Coincidentemente, você está entrevistando a pessoa que criou o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais. Na época, eu trabalhava no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e fui convocado pela então presidente Dilma Roussef. A presidente, dois dias após aquele desastre, visitou a região de Petrópolis e perguntou ao governador Sérgio Cabral e aos prefeitos das cidades se eles tinham recebido um alerta. Eles disseram que não. Após este fato, ela nos chamou e eu informei à presidente que a previsão de tempo havia avançado muito no Brasil e nós sabíamos a previsão da região dois dias antes de acontecer aquelas chuvas. Porém, não existia este sistema de alerta, que comunicasse esses riscos para as organizações de defesa civil, para as populações e então surgiu o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais. O Cemaden, desde sua fundação em 2011, já emitiu mais de 16 mil alertas. Ele monitora mais de 900 cidades com um alto risco de desastres. Instalou dezenas de medidores de chuva, pluviômetros, automáticos, na região serrana do Rio. E, desde 2012, o Cemaden emitiu inúmeros alertas e diminuiu muito o número de mortes que poderiam ter acontecido. 

 

O que aconteceu neste dia 15 de janeiro em Petrópolis foi um episódio de chuva muito difícil de se prever. Por exemplo, as chuvas na Bahia em dezembro ou as chuvas na região metropolitana de São Paulo em janeiro, tudo isso foi previsto com dias de antecedência pelo Cemaden, que passou todas as informações para as defesas civis e para os municípios. Houve mortos, pois muitas pessoas não deixaram suas casas inundadas ou foram vítimas de deslizamentos. O número foi relativamente pequeno. 

 

Já em Petrópolis o número disparou para 200 mortos. Houve um fenômeno meteorológico muito raro que os sistemas de previsão ainda não conseguem prever com dias de antecedência. Foi uma combinação de um sistema de baixa pressão no Oceano Atlântico que estava chegando no Espírito Santo e que criou um canal de vento muito forte do sul, carregando um ar muito úmido, passando por cima da Baía de Guanabara. Esse vento forte e úmido encontrou a serra, onde houve o desastre. A serra faz o ar subir. O ar sobe com força, cheio de umidade, e essa umidade condensa e transforma-se em nuvens com muita chuva. Foram 240 mm de chuva em três horas. Isso é muito raro e nunca havia acontecido desde que foram instaladas as estações meteorológicas na região da serra em 1932. Tinham momentos de 3mm de chuva por minuto. Esse tipo de sistema tem um nome técnico: célula convectiva de mesoescala. A serra faz com que essa célula fique fixa ali, diferente de tornados, que se formam e andam em enorme velocidade. Isso fez com que a célula ficasse na mesma região por três horas e causou essa imensa chuva. Esse tipo de fenômeno raro não é previsível com horas ou dias de antecedência. Quando essa nuvem começou a se formar, o Cemaden imediatamente enviou um alerta. Quando a chuva começou, todas as sirenes soaram em Petrópolis e havia um áudio pedindo para que a população procurasse um lugar seguro. É importante fazer uma pesquisa, e espero que a defesa civil e o Cemaden façam, e perguntar: quantas pessoas saíram de suas casas porque ouviram o alerta e se colocaram em lugar seguro? 

 

Em 2011 uma coisa ficou clara. Milhares de pessoas naquela região do Rio estavam vivendo em residências e prédios de risco, principalmente de baixa renda. Isso aconteceu 11 anos atrás. Mais da metade dos que perderam as casas em 2011 voltou para as áreas de risco. Então é muito importante, de fato, aumentar a resiliência e retirar essas pessoas das áreas de risco em todo o Brasil. O lugar que tem mais população vivendo em área de risco, por exemplo, é São Paulo. Precisa-se de uma política pública e de um investimento público, pois são pessoas de muito baixa renda. É preciso tirá-las da área de risco e colocá-las em locais urbanos para viver. Esse é um desafio para os municípios e para os estados, que precisam alocar dezenas e centenas de milhões de reais nestas políticas. 

 

CR – Como criar atividades econômicas que conciliam a preservação da floresta com a geração de emprego e renda? Quais são as principais políticas públicas neste sentido? 

CN – O censo agropecuário do IBGE de 2017 mostra números surpreendentes para a Amazônia. Ele mostrou que a rentabilidade de sistemas agroflorestais é muito maior, sistemas que produzem produtos da floresta, como açaí, cacau, castanha, entre outros. Tem sistemas e áreas cooperativas muito produtivas em Belém, Rondônia e Acre que trazem uma rentabilidade na exploração da floresta em pé com esses diversos produtos citados. Por exemplo, a Amazônia já recebe mais de um bilhão de dólares por ano da exportação de açaí.  

 

Essa exploração da floresta em pé já demonstrou uma rentabilidade muito boa. Muitos desses produtores atingiram a classe média, entre classes C e B, entre os mais avançados na produção. A maioria dos agricultores da Amazônia que não trabalham com sistemas agroflorestais são classe E, os mais pobres e com um IDH extremamente baixo. Então já é possível, sim, você pensar em uma nova economia. Uma economia dos produtos da biodiversidade amazônica. Já existe aquacultura de pirarucu, que aumenta muito a rentabilidade e a qualidade de vida daquelas populações envolvidas. Ainda é uma minoria comparada com a exploração agrícola expansionista do gado, da soja, do milho e de madeira. Esse modelo que dominou a exploração da Amazônia desde 1970 não trouxe benefício de qualidade de vida, é uma agricultura de baixíssima rentabilidade e, nas últimas décadas, totalmente dominado pelo crime organizado. O modelo econômico da Amazônia é dominado pelo crime organizado, que começa com grilagem e roubo de terra pública; depois tem o mercado ilegal de terras, a bancada ruralista, que busca legalizar ações ilegais, como mineração ilegal; e ainda há associações com o crime organizado da Colômbia, do Peru, da Bolívia, PCC, Comando Vermelho, entre outros. Esse é um modelo econômico suicida, que irá acabar com a floresta. 

O que nós precisamos é desenvolver uma bioeconomia de floresta em pé. Para isso, precisamos atribuir valor para os produtos da nossa biodiversidade. Se compararmos o preço dos nossos produtos primários que esses sistemas vendem, como açaí, cacau e castanha, com o valor do produto quando você agrega a industrialização, esse fator normalmente é de dez a vinte. Precisamos desenvolver uma inovação industrial. Precisamos trazer a industrialização dos produtos da nossa biodiversidade amazônica, criar centenas de milhares de empregos industriais e melhorar a qualidade de vida das cidades. O potencial dos produtos é gigantesco. 

 

É perfeitamente possível fazer isso. Os mercados mundiais estão buscando diversidade de produtos e a Amazônia é o lugar que tem a maior biodiversidade do planeta. O Brasil poderia se tornar a primeira potência ambiental de sociobiodiversidade, pois também pode-se somar o conhecimento de populações tradicionais, como os povos indígenas e a população ribeirinha da Amazônia. Por séculos eles desenvolveram um imenso conhecimento destes produtos. Temos que juntar esse conhecimento com o desenvolvimento científico e tecnológico para a Amazônia se tornar uma potente bioindústria. 

 

CR – Você gostaria de deixar uma mensagem? 

CN – Eu acho que os grandes desafios para as áreas da Engenharia e Agricultura - grandes desafios que o Sistema Confea/Crea tem um poder e um potencial imenso - é criar uma nova geração de Engenheiros e cientistas agrícolas para fazer o Brasil se tornar a primeira potência ambiental da sociobiodiversidade.  

 

Por exemplo, propor um modelo de infraestrutura verde. Há muitas soluções sendo buscadas no mundo inteiro. O Brasil possui uma biodiversidade com imensos recursos naturais, com a maior quantidade de água doce em estado líquido. Há esse potencial e é muito pouco explorado. O Sistema Confea/Crea tem esse papel muito importante de auxiliar na criação da nova geração de profissionais, sejam eles cientistas, Engenheiros, Agrônomos, que busquem soluções não só na ciência, mas também na sua implementação. 

 

Acho que o Sistema tem um papel fundamental. Deve-se abandonar o modelo anterior que dominou toda a Engenharia do Brasil por um século. O Brasil pode ser um líder. Esse é o ponto. Se olharmos todas as tecnologias que são utilizadas no Brasil, elas não foram desenvolvidas aqui. Elas foram desenvolvidas fora e o Brasil simplesmente importou e comprou os direitos, pagando royalties e tudo mais. Precisamos ser inovadores, ser criadores. Para essa nova economia de floresta em pé, manutenção dos biomas, chamada de Economia Verde, precisamos inovar muito e aí entra o Sistema Confea/Crea.  

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