Do Estaleiro à Influência Global: A trajetória de Gabe Oliveira, engenheiro brasileiro que conquistou a Austrália
Por Jô Santucci / Jornalista, com a colaboração da estagiária Vitória Laner

Com 2 milhões de seguidores no Instagram, o Eng. Prod. e Eng. de Inspeção Offshore na Austrália Gabe Oliveira foi um dos palestrantes no 1º Summit de Inteligência Artificial do CREA-RS, que ocorreu no Plenário Farroupilha, no dia 18 de novembro.
Em sua palestra, o maior influenciador offshore do mundo afirmou: “Fazer o básico já é bastante, dá para fazer a diferença.” A frase resume a jornada de Gabe, que vive há 10 anos na Austrália e se tornou uma das maiores referências brasileiras na área, unindo carreira técnica, produção de conteúdo e inteligência artificial.
Nascido em São Paulo e criado no Paraná, Gabe nunca imaginou que um dia seria reconhecido em aeroportos e restaurantes pela comunidade brasileira, graças aos vídeos que começou a gravar embarcado em uma plataforma de petróleo na Austrália, dentro do próprio quarto. Seus conteúdos, sempre voltados ao público brasileiro, surgiram muito antes da fama e do glamour visto no Instagram.
Recém-formado, Gabe enfrentou o que muitos profissionais vivem ao entrar no mercado: o choque de realidade. Ele relembra que sua primeira tentativa de atuar offshore no Brasil terminou em reprovação – não por falta de conhecimento técnico, mas pelo inglês insuficiente. O mais curioso? Anos depois, o mesmo profissional que o havia reprovado realizou novamente o teste e, surpreso, perguntou: “O que você fez? O teu inglês ficou melhor que o meu.” A resposta estava em sua decisão radical: mudar-se para a Austrália para aprender o idioma do zero.
Acompanhe a entrevista a seguir!
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Conselho em Revista – O que motivou sua mudança do Brasil para a Austrália e como foi o processo de transição para o mercado offshore internacional?
Quando eu me formei, no final de 2011, como a maioria dos engenheiros, não sabia exatamente o que queria fazer. Por acaso, a primeira entrevista que consegui foi em Angra dos Reis (RJ), em uma empresa de construção de plataforma de petróleo. Eu nunca tinha visto uma plataforma de petróleo na vida. Recém-formado, vendo aquela plataforma gigante, eu comecei a me imaginar trabalhando como engenheiro lá. Só que eu não passei na entrevista porque a segunda fase da seleção era em inglês. E foi aí que começou minha trajetória e já senti “na pele” a importância do inglês na minha carreira. Os outros dois amigos, que fizeram a mesma entrevista, passaram porque eles já dominavam o idioma e e eu não.
Resolvi ir para outro país porque eu tinha decidido que iria entrar naquela empresa. Este era o meu objetivo. Mas tinha que aprender inglês e queria aproveitar o outro processo, que aconteceria em oito meses. Comecei, então, a elaborar planos para aprender inglês em tão pouco tempo. Decidi ir para Austrália e fiquei na casa de amigos de amigos. Depois tornou-se um grande amigo. Fui para a casa dele, fiquei um tempo na Austrália estudando sem parar, voltei, tentei a mesma prova novamente e passei. Foi quando comecei minha trajetória na área de construção de plataforma de petróleo.
Por que você resolveu voltar para a Austrália depois?
Depois de cinco anos trabalhando em Angra dos Reis, construindo plataforma de petróleo, estourou aquele esquema de lava-jato. Eu construí as plataformas, a primeira iria perfurar o pré-sal para a Petrobras. Mas esse esquema pegou bem a empresa que eu trabalhava, começou uma onda de demissão em massa. Fiquei desanimado na época.
Vocês montaram lá porque era para P55, é isso? Não era a P55, mas algumas eram de perfuração, a P55 era de produção, mas no mesmo lugar. E aí eu fiquei desanimado, e falei: "Quer saber, eu vou voltar para a Austrália e tentar minha carreira lá". Larguei tudo no Brasil e resolvi voltar para a Austrália sem nada. Demorou dois anos para eu reconhecer a minha engenharia. Depois disso, consegui minha qualificação de Engenheiro de Produção na Austrália. Com a minha experiência de construção em plataformas aqui, comecei a trabalhar em plataforma de controle lá.
Depois que tive esse contato, me apaixonei pela área. Decidi me dedicar à plataforma de petróleo. Tudo é gigante, aquela dimensão, a questão da importância para a economia, mexer com petróleo e a plataforma. Imagina a cabeça de um recém-formado engenheiro, trabalhando num projeto de bilhões de reais, fazendo parte daquele time que tá funcionando a primeira plataforma que vai procurar o pré-sal. Eu mesmo comecei a me sentir muito orgulhoso do início da minha carreira no setor.
E como que a sua formação em Engenharia de Produção dialoga com essa área, de inspeção?
O que é exatamente isso o que eu faço? Engenharia de Produção é uma engenharia muito ampla. Ao contrário da engenharia, por exemplo, elétrica ou engenharia mecânica, que é específica, a de produção amplia a visão.
Isso ajudou muito na minha carreira, porque consegui adaptar a minha formação para os desafios que fui me deparando. Por exemplo, o que eu faço hoje como engenheiro de inspeção offshore. E essa minha bagagem como Engenheiro de Produção facilitou para eu conseguir as certificações na Austrália, porque eu sempre tinha que fazer alguma prova para conquistar uma certificação nova.
Esse meu background, minha bagagem como Engenheiro de Produção, facilitou para que minhas aprovações fossem de primeira, porque eu já tinha esse raciocínio lógico e entendi o processo. Dessa forma, foi mais fácil conseguir essas certificações na Austrália. Tem uma, por exemplo, específico que chama Acip, que foi a mais difícil de todas. Ela é bem reconhecida na área, porque é uma das mais difíceis. Eu consegui passar de primeira.
E qual foi o maior desafio técnico, fora o inglês?
O maior desafio foi no começo. Como eu nunca tinha trabalhado em plataformas na Austrália, quando eu cheguei lá a cultura do país era bem diferente, então eu tive mais esse desafio cultural no começo. Eu sofri, não diria muito sofrer, mas eu tive um pouco de preconceito na minha carreira no começo por isso do Brasil. Desafios técnicos sempre aparecem, que é a parte mais legal do meu trabalho. Porque eu tenho que ter um raciocínio analítico e descobrir o problema e a solução. É um desafio legal.
Existem diferenças em padrões técnicos entre a Austrália emo Brasil?
Sim, muitas diferenças. Cada país tem suas normas, seus regulamentos, as empresas que fiscalizam. Uma certificação que é válida no Brasil não é válida lá. Eu tive que recomeçar muita coisa. Por mais que eu já tivesse experiência aqui, eu cheguei com as minhas certificações lá e falei: "Olha, isso aqui para gente não se faz para nada". Então, tive que estudar para entender como funcionam as regulamentações lá, os órgãos que regulamentam. Quais são os requerimentos deles. Este foi um dos primeiros grandes desafios para mim. Eu peguei toda aquela informação que tinha, basicamente, o papel em si não servia para nada. Tinha o conhecimento, mas tive que adaptar à minha experiência para a realidade da Austrália. Eu tive que refazer a maioria dos meus cursos. Mas como já tinha o conhecimento e essa experiência, consegui rápido. Existem pessoas que demoram de dois a três anos para tentar passar. Eu consegui passar de primeira porque já tinha conhecimento. Mas precisava converter para o mercado australiano.
E como é que um Engenheiro de Produção consegue ter um perfil de 2 milhões de seguidores falando de engenharia?
É, foi uma reviravolta. Isso aí foi uma coisa meio inusitada na minha carreira, eu não esperava que fosse acontecer, mas comecei a usar o Instagram no início, por acaso, para eu viajar o mundo, que é uma das coisas que eu sempre gostei dessa área, pois eu tenho bastante folga. Quem está embarcado trabalha, normalmente, no Brasil 14 dias, folga 14 dias. Você pode viajar bastante. Eu comecei a trabalhar na Austrália embarcado, trabalhando 21 dias e com folga nos outros 21. Aí pensei: "Eu vou viajar o mundo agora, que tenho bastante folga". Comecei a usar o Instagram por acaso para mostrar as minhas viagens. E aí, um belo dia eu voltei de uma viagem e queria continuar crescendo no Instagram, que estava começando a aumentar devagarinho.
Eu falei: "O que vou postar agora?". Estava ali na plataforma, peguei meu celular no quart, fiz um videozinho, postei e viralizou. Aí entendi que a minha realidade de um brasileiro trabalhando em plataforma de petróleo na Austrália gerava muita curiosidade para o brasileiro. Comecei a fazer mais e mais. Fui ficando meio ligado pelo algoritmo e queria entender por que uns vídeos performam melhor que outros. Comecei a estudar a plataforma. Peguei todos os meus vídeos que funcionavam, colocava numa pasta e comecei a utilizar IA para analisar o padrão de cada um. Até que eu cheguei num formato meu que viraliza sempre, aí quando eu descobri aquele formato comecei a replicar ele sempre, aí foi um crescimento exponencial.
Você fala mais da engenharia ou mais do seu dia a dia na plataforma?
Eu falo um pouquinho de cada, mas sempre quis furar a bolha, falando de um conteúdo específico e técnico de uma maneira que qualquer pessoa entenda, por mais que você nunca tenha pensado em fazer Engenharia ou nunca tenha visto uma plataforma da sua vida. Eu vou colocar um conteúdo do jeito que você vai achar interessante, engraçado e ainda vai aprender com ele junto. É essa receita, porque aí você vai querer compartilhar com o seu amigo, com o seu amigo que também não é da área, mas vai achar curioso e aí vira uma bola de neve. Eu falo, explico a engenharia, principalmente a engenharia das plataformas de petróleo de um jeito leve e engraçado.
E qual foi a postagem que viralizou?
Essa específica eu estava contando uma história. Foi só a primeira. Eu fazia conteúdos das viagens, depois editava bastante. Fazia umas filmagens maravilhosas e nunca performava tão bem. O meu vídeo que viralizou não tinha edição nenhuma.
Eu só peguei o celular, liguei a câmera e contei uma história real de um amigo. E esse vídeo viralizou porque a história era de uma atividade normal, falava sobre problemas de saúde mental que o profissional nessa área acaba tendo, por ficar muito tempo isolado. Muitas pessoas se identificaram e começaram a compartilhar. Desde então tem sido um atrás do outro.
Você falou sobre a IA na análise. Qual é a sua opinião sobre o fato de a IA tirar o trabalho das outras pessoas?
Não. Na Austrália, por exemplo, a IA está muito mais avançada já nessa parte offshore, que é bem legal. Se não se adaptar, você vai ser substituído. Eu nunca achei e estou percebendo isso. Na realidade, a IA não vai tomar o trabalho de ninguém, mas obriga que todos se atualizem. Muitos profissionais da minha área, por exemplo, que faziam inspeções de um jeito antigo, como inspecionar, depois vir com papel e fazer o relatório, não se adaptaram à realidade nova e tiveram resistência. Agora você vai passar essa informação, que antigamente colocava em uma planilha, para uma inteligência oficial da empresa, que vai dar um relatório pronto. Quem ficou resistente automaticamente já foi substituído. Eu sempre gostei, me identifiquei, desde o começo e queria entender mais. Eu consegui crescer mais rápido na minha carreira, porque eu fiquei muito mais produtivo, fazendo o que já fazia antes com ajuda de inteligência artificial. Eu tenho certeza que a IA não vai substituir, mas sim fazer o profissional se movimentar e não se acomodar.
Depois de dez anos na Austrália, você pensa em voltar para o Brasil?
Tenho passado bastante tempo no Brasil agora, justamente por causa desse crescimento nas redes sociais. Diante disso, eu comecei a receber um monte de convite para eventos como esse, por exemplo. Agora que eu tenho tanta gente que me segue que se inspira na minha história, eu quero começar a conversar com essas pessoas ao vivo. Olhar no olho, contar a minha trajetória. E eu estou passando mais tempo agora, mas eu nunca pensei em voltar de vez para o Brasil. Eu gosto demais da Austrália. E também não penso em largar essa área, porque além de, obviamente, ter a questão financeira, que paga muito bem, tem a questão de realização profissional e gosto do que eu faço. Então, a minha ideia é continuar vindo para cá bastante, mas ainda continuar com um pezinho lá, trabalhando embarcado e morando na Austrália.
Porque tem um movimento em Rio Grande, novamente de plataforma. Você acha que existe essa possibilidade de retomar essa área?
Eu pessoalmente não me vejo trabalhando embarcado no Brasil, porque eu já me adaptei à cultura australiana, mas existe agora um potencial gigante dessa área de oleodutos no Brasil voltar com tudo. Com a margem equatorial, que é aquela reserva gigantesca, que acharam lá para cima, perto do Amapá, lá para cima do Rio Grande do Norte.
O Ibama já liberou, se eu não me engano. Há um tempo vi que a Petrobras já começou a fazer perfurações exploratórias para confirmar o potencial. Tudo indica que o petróleo vai voltar com tudo no Brasil. Inclusive eu acabei de fazer uma palestra semana passada conversando com o pessoal que está estudando engenharia de petróleo e era sobre isso. Todo mundo empolgado porque tudo indica que vai voltar com novamente. Assim que eles confirmarem que a quantidade de petróleo que eles acham que tem é o que tem mesmo, vai vir financiamento, investimento gigante e aí vai aquecer tudo de novo.
Poderia deixar uma dica para o profissional brasileiro que sonha em trabalhar no offshore, fora do país. Por onde começar?
O jeito mais fácil é começar conseguindo experiência no Brasil. Foi assim que eu fiz. Se você não tem experiência, então fora do Brasil, na Austrália ou qualquer outro país, Estados Unidos, você terá dificuldade extra no idioma, primeiro o inglês. Tem ainda a questão do visto, porque você pode ser o melhor profissional do mundo, mas se não tem um visto de trabalho, não pode atuar e fica limitado. O jeito mais fácil é adquirir experiência no Brasil já estudando inglês. Depois, se já for um profissional com uma formação mais sólida e um inglês suficiente para se comunicar, fica muito mais fácil tentar uma carreira fora do Brasil. Tenho mais brasileiros que trabalham comigo.
E você continua estudando?
Nesta área, é preciso estar sempre se atualizando. As certificações vencem a cada dois, três, quatro anos, o que exige estudo constante. Antes de vir para cá na Austrália, eu tive que estudar para revalidar uma das minhas certificações. É algo contínuo.
Para finalizar, queria que você deixasse uma mensagem para os profissionais daqui do Brasil que sonham em fazer o teu trabalho, sonham em ter esses milhões de seguidores nas redes sociais. Você acha que está sendo pioneiro neste tema?
Existem alguns influenciadores nessa área, mas sempre com uma linguagem muito técnica, que não consegue chegar a muitas pessoas. Nesse patamar, nesse nível de conseguir furar as bolhas e atingir todo mundo, eu sou o primeiro. Eu tenho muito orgulho de ter chegado nisso. Mas a mensagem que quero deixar é que eu sempre gostei de me inspirar em pessoas que já estão onde eu quero chegar.
Teve uma situação específica quando eu estava voltando da Austrália. Quando eu fui a primeira vez só para estudar inglês, eu conheci por acaso um brasileiro que estava voltando para Austrália e eu perguntei para ele: "O que você faz?" Ele falou: "Eu sou engenheiro. Eu falei: "Mas engenheiro na Austrália? Eu já moro na Austrália há dez anos, sou cidadão, sou engenheiro". Foi a primeira vez que eu pensei: "Nossa, então existe essa possibilidade. Eu posso ser engenheiro na Austrália". Aí, desde então, me deu um gatilho, eu falei: "Cara, se ele pode, eu posso também". Então, usei aquela imagem como referência para me dedicar e me inspirar.
Eu acho que você tem que focar em alguém que já está. Sonha, sonha alto, porque se você sonha baixo aí não adianta. Se inspirar em alguém e correr atrás. Então, basicamente, é assim que eu me vejo e é o meu maior orgulho ver que, hoje em dia, eu sou para essas pessoas que me seguem, o que o exemplo desse rapaz, que por acaso estava no avião, foi para mim.
