Janaína Fátima Cerutti Munaretti
Engenheira de Minas • Conselheira Suplente (CEGM)
Este artigo foi escrito com a cooperação do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3° Região Militar (SFPC), Divisão de Armas Munições e Explosivos (Dame) e Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar (Bope) com a intenção de esclarecer aspectos legais da “ferramenta de engenharia chamada Desmonte com Explosivos”.
Explosivos e seus acessórios são amplamente utilizados na indústria da mineração e construção civil, como mecanismos de fragmentação de rochas, viabilizando a operação de extração e o beneficiamento de bens minerais, construção de túneis, barragens, estradas, subsolo de edificações e tantas outras finalidades essenciais para a humanidade.
CREA-RS participa de operações de Fiscalização junto com o Exército
Na maior parte do tempo não se percebe de onde vêm os materiais que consumimos como brita, ferragem, cimento das moradias, automóveis, smartphones, computadores, eletrodomésticos e móveis que estão nos lares e escritórios, roupas, calçados, alimentos, entre tantos outros. Nesta relação seria possível acrescentar os medicamentos, itens de higiene pessoal, maquiagens, combustíveis e muitos outros produtos que consumimos todos os dias, sem saber que a mineração os torna possíveis e que só existem graças ao aproveitamento das substâncias minerais no planeta.
Para a mineração ser economicamente viável, as operações de lavra devem ser cada vez mais produtivas, seguras e de baixo custo. Fundamental para o processo, seja a céu aberto ou subterrâneo, é o desmonte de rochas. Infelizmente, ao ouvirmos a palavra “explosivo” uma imagem distorcida é vista pela sociedade, ou seja, explosivos utilizados para ações criminosas como roubos a bancos.
As operações de desmonte de rochas com o uso de explosivos são atividades de Engenharia, e requerem projeto e execução de profissional legalmente habilitado para a atividade, como Engenheiro de Mina ou outro profissional com extensão de atribuição aprovado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS). O acompanhamento de responsável técnico pela operação vai garantir o correto dimensionamento das cargas explosivas, evitar danos ambientais, patrimoniais, risco a pessoas e desvios ou descaminho destes materiais.
As operações de desmonte de rochas com o uso de explosivos são atividades de Engenharia
As empresas que desejam utilizar em seu processo produtivo a técnica de desmonte de rochas com explosivos precisam buscar junto aos órgãos competentes, as autorizações necessárias para a atividade, iniciando pelo registro no CREA-RS e anotando profissional habilitado. No Brasil, o Exército Brasileiro, através do Comando Logístico (Colog), é responsável pelas portarias que estabelecem os procedimentos administrativos para importação, exportação, fabricação, transporte, armazenagem, uso e aplicação dos Produtos Controlados pelo Exército (PCEs), entre eles, os explosivos e acessórios que compõem uma relação de 82 itens do grupo Explosivo, atualizados na Portaria n° 118 – Colog de 04 de outubro de 2019.
A Portaria nº 56 – Colog, de 5 de junho de 2017, regula os procedimentos administrativos para a concessão de Certificado de Registro para o exercício de atividades com produtos controlados. Para isto, todas as empresas devem providenciar as documentações necessárias e abrir um processo, através do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados de Guarnição, responsável pela região do estado onde se encontra a empresa. Atualmente, há 35 Organizações Militares que compõem o SisFPC em todo o Rio Grande do Sul. Temporariamente, não está sendo cobrado o certificado de registro para órgãos públicos. A isenção de registro de pessoas físicas e empresas de construção civil, para utilização de explosivos, são consideradas quando o serviço de detonação é realizado em período de noventa dias, em um prazo de 12 meses, conforme a Portaria nº 41 – Colog, de 28 de março de 2018. A Portaria nº 147 – Colog, de 21 de novembro de 2019, dispõe sobre os procedimentos administrativos do exercício de atividades com explosivos e nitrato de amônio. Esta Portaria informa as definições quanto às atividades de fabricação, comércio, importação, transporte, detonação, armazenagem, bem como a segurança do PCE.
Durante o ano 2020 foram realizadas ações de fiscalização conjuntas, organizadas pelo Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3° Região Militar (SFPC) com participação do CREA-RS
O processo de controle dos explosivos atualmente é feito pelo Sicoex, que é uma ferramenta de gestão utilizada por pessoas jurídicas registradas no Exército Brasileiro para o gerenciamento de atividades que envolvam explosivos. Esta ferramenta, além de dar celeridade às ações de fiscalização, tem a finalidade de realizar o controle de explosivos no território nacional, obter informações sobre explosivos e expedir autorizações através de suas diversas funcionalidades. As operações que envolvem o uso de explosivos são fiscalizadas ainda pelas Secretarias de Segurança Pública dos estados e do Distrito Federal, nos termos do Decreto 10.030/2019.
No Rio Grande do Sul a Divisão de Armas Munições e Explosivos (Dame), é responsável pelas atividades através do Serviço de Fiscalização, Controle, Exames e Licenças (SFCEL). Na sua função “exames e licenças”, o SFCEL aplica as provas e concede a “Carta Blaster”. A regulamentação é feita pela Portaria 03/1987 da Secretaria de Segurança Pública/RS e apresenta níveis diferentes, em função da atividade desenvolvida pelos Blasters, que estão divididos em duas categorias:
Blaster de 3ª categoria – Autorizado a executar atividades de detonação somente em áreas rurais;
Blaster de 1ª categoria – Autorizado a executar detonações em áreas urbanas e rurais.
Os candidatos à Blaster devem realizar prova teórico-prática na Dame, comprovar emprego ou sociedade em empresa que possua autorização para desenvolver atividade com explosivos, apresentar a documentação para checagem de antecedentes criminais, além do pagamento da taxa para obtenção da Carta Blaster, que possui validade de um ano e vigência apenas no território do Rio Grande do Sul, devendo ser renovada anualmente. De acordo com a legislação nacional, Blaster é o encarregado de organizar e conectar os explosivos e acessórios empregados no desmonte de rochas. Cabe salientar que a Carta Blaster licencia o profissional a executar o plano de fogo projetado e supervisionado por profissional de nível superior, habilitado e responsável técnico pela operação. Em outras palavras, o Blaster não pode projetar o plano de fogo, apenas executar a aplicação. No Brasil o Blaster é considerado uma atividade ocupacional segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, não sendo uma profissão regulamentada.
Fiscalização ativa para evitar desvio, furto e roubo de explosivos
Com relação à legislação para atividades com explosivos podemos citar ainda a NR 19 da Portaria 3.214, de 1978, que trata diretamente de substâncias e materiais explosivos, sendo parte integrante das Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, a Norma Reguladora de Mineração (NRM) 16, aprovada pela Portaria DNPM 237, de 2001 que estabelece os critérios e cuidados com o transporte, manuseio e guarda de explosivos na mineração e a norma da ABNT:NBR 9653:2018 - Guia para avaliação dos efeitos provocados pelo uso de explosivos nas minerações em área urbanas.
Com relação aos depósitos de explosivos, os paióis, ainda são necessários a obtenção do Alvará do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), cuja análise do projeto e aprovação é realizada pelo Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS) e, até poucos meses atrás, era necessário também o licenciamento ambiental junto à Fepam.
Os explosivos e acessórios desempenham um papel importante no ciclo produtivo de lavra de bens minerais como brita, ferro e calcário, na construção civil para abertura de túneis, valas e estradas, escavações em hidrelétricas, implosões / demolições, escavação subaquática, para colocação de tubulões, rebaixamento de terrenos, etc. No setor petroleiro é empregado na geofísica (pesquisa de hidrocarbonetos) e também no aumento de vazão ou recuperação de poços antigos. Na indústria automobilística é elemento principal nos airbags, além de tantos outros que contribuem com o desenvolvimento da sociedade. Durante o ano de 2020 ações de fiscalização conjuntas, organizadas pelo Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3° Região Militar (SFPC) com participação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS), Divisão de Armas Munições e Explosivos (Dame), Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS), Brigada Militar e Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), inspecionaram empresas que produzem, vendem, aplicam ou utilizam explosivos e acessórios, a fim de coibir e reprimir o desvio, o armazenamento inadequado, a falta de controle de estoques, a utilização sem autorização, autuando empresas que estavam agindo em desacordo com a legislação vigente.
Em meio a tantos usos notáveis, também vemos o emprego de explosivos em ações criminosas como assaltos a instituições financeiras e atentados terroristas. É difícil definir a quantidade exata de explosivos empregados nessas ações criminosas, entretanto o Bope estima que em 2020 foram utilizados mais de 100 kg. Nos últimos cinco anos, uma quantidade aproximada de 500 kg de explosivos foi desviada para uso criminal no RS.
Foram inspecionadas empresas que produzem, vendem, aplicam ou utilizam explosivos e acessórios
O Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar (Bope), além de atuar operacionalmente nas ocorrências envolvendo artefatos explosivos, tem o objetivo de neutralizar, desativar ou destruir estes materiais que se encontram em circunstâncias ilícitas, também possui equipes de inteligência, que buscam por meio dos pareceres dos técnicos explosivistas, identificar a origem e a destinação adequada que determinado artefato deveria ter sido submetido. Conta com apoio das empresas fabricantes de explosivos e do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro (SFPC). Além disso, o serviço de inteligência realiza um trabalho de monitoramento das quadrilhas especializadas em roubos a estabelecimentos financeiros o que, embora não evite ações futuras, possibilita o conhecimento do "modus operandi", visando a identificação e possível captura dos autores. Segundo o Bope/RS, a maior parcela dos explosivos encontrados nas ocorrências de assalto a banco é de fabricação nacional, desviados do emprego original (mineração ou construção civil). Entretanto, não se descarta a possibilidade de entrada desse tipo de material por meio de contrabando, pois já ocorreram casos em que foram encontrados detonadores sem identificação, o que indica que podem ser produto de fabricação estrangeira. O Bope afirma que o desvio de material explosivo seria dificultado, caso o responsável pelo Plano de Fogo acompanhasse as operações, e a execução não recaísse exclusivamente sobre o Blaster. Além disso, o profissional deveria fiscalizar com rigor a correta destinação da sobra (explosivos e acessórios adquiridos e não utilizados). O controle exercido por um número maior de pessoas diminuiria a possibilidade de cooptação por criminosos pois, quanto maior o número de profissionais no controle e destino dos explosivos, menores as chances do uso indevido das sobras. Acredita-se que, na maioria dos casos, o desvio não ocorre com as sobras “reais”, mas sim com as sobras não declaradas, que surgem a partir da omissão de dados sobre o que foi de fato detonado. Quando se registra, nos documentos pertinentes à atividade econômica, o emprego de quantidade de explosivo maior do que efetivamente utilizado, abre-se espaço para o surgimento de material que deixou de existir legalmente, mas que ainda está disponível, tornando-se um produto de fácil acesso para os criminosos. Daí o risco em mascarar dados.
Atualmente, há uma tendência na mineração pelo uso de explosivos bombeados por caminhões, prática que aos poucos vai impactar na redução do desvio dos explosivos. No entanto, ainda se faz necessário um rígido controle no carregamento do desmonte, pois os acessórios continuarão em uso, além de explosivos encartuchados, passíveis de desvios para o uso ilícito.
Mesmo diante da tendência de não utilizar paiol próprio, passando a contratar empresas terceirizadas para prestar serviços de detonação, não se pode afirmar que haveria uma redução no desvio, pois não se trata de encontrar apenas a empresa que vendeu ou comprou (usuário final) os explosivos, mas sim de chegar a quem ou de que forma ocorreu o desvio. Ainda não se chegou ao ponto de responsabilizar criminalmente a empresa onde ocorreu o desleixo com o material e, se por ventura acontecer uma responsabilização, não será pelo fato principal, o assalto a banco. Portanto, se faz necessário a responsabilização de todos os envolvidos no uso de material explosivo.
Na comparação do primeiro semestre de 2016 com igual período de 2020, as investidas contra estabelecimentos bancários passaram de 150 a 29 (-81%).
Comparando os 50 roubos e furtos a instituições bancárias ocorridos entre janeiro a junho de 2019, os 29 do primeiro semestre deste ano representam redução pela metade, de 50,8%.
A Brigada Militar (BM) teve importante contribuição nessas estatísticas com a realização da Operação Angico. A instituição intensificou ações de enfrentamento a esses crimes e atua com base em três estratégias:
Fiscalização ativa para evitar desvio, furto e roubo de explosivos;
Operações focadas em prisões de criminosos especializados neste tipo de delito; e
Utilização de efetivo especializado com suporte de inteligência policial.
Fonte: https://ssp.rs.gov.br/ataques-a-banco-no-rs-tem-queda-de-86-7-em-outubro
Fonte: https://ssp.rs.gov.br/ataques-a-banco-no-rs-tem-queda-de-86-7-em-outubro
Agradecemos a colaboração fundamental do Capitão Apulchro do SFPC, Major Santos Rocha do Bope e toda equipe da Dame. A intenção do texto foi trazer um apanhado sobre legislação, diversos usos dos explosivos e acessórios, sua importância para a economia, ciência, tecnologia e para manutenção da qualidade de vida, além de chamar atenção para a importância do acompanhamento técnico nas operações de desmonte de rochas, com o correto dimensionamento do plano de fogo e controle das sobras de materiais. A Câmara Especializada de Geologia e Engenharia de Minas (CEGM) do CREA-RS vem trabalhando na aproximação com os diversos órgãos reguladores, fiscalizados e de segurança pública para a ampliação de ações conjuntas, como as já realizadas no ano de 2020.
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