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Os Serviços Ecossistêmicos e o Cuidado com a Vida Humana


Michele Benetti Leite

Engenheira Florestal, Doutora pela Universidade Rey Juan Carlos (Espanha)


A qualidade do ar que respiramos, a disponibilidade de água de qualidade para bebermos, o princípio ativo do medicamento que utilizamos, a estabilidade dos solos para serem cultivados pela agricultura e a proteção contra inundações (no campo e na cidade), a regulação do clima, a polinização e o controle biológico são resultados dos serviços que os ecossistemas nos prestam, diariamente, de maneira gratuita e, até então, abundante.

Foto Ilustrativa/Freepik

De acordo com Daily (1997), um serviço ecossistêmico (SE) é aquele que se refere às condições e aos processos através dos quais os ecossistemas sustentam a vida. Em resumo, poder-se-ia afirmar, que são os processos naturais dos ecossistemas que se convertem em fontes dos recursos naturais, e uma de suas características, é que não se consomem, não se gastam e nem se transformam durante seu processo de utilização (MARTÍNEZ DE ANGUITA Y FLORES VELÁSQUEZ, 2014), o que os distingue dos bens ecossistêmicos (como os alimentos, a água, as fibras, etc). Por exemplo, a madeira é um bem porque se consome. Porém, a capacidade das florestas de sequestrar e fixar o carbono é um serviço.

Por falar em florestas, é sempre fundamental relembrar sua importância, ainda mais em virtude da intensa modificação e desmatamento pelo qual vem passando, há muito tempo, não só na internacionalmente conhecida, Amazônia, como aqui, bem pertinho de nós, na Mata Atlântica. Boa parte da retirada de vegetação ocorre em áreas que, uma vez abertas, irão render ao proprietário muito pouco, como é caso das áreas utilizadas para pecuária, extensiva e pouco produtiva, na região amazônica.

Em se tratando de fornecimento de Serviços Ecossistêmicos, o Brasil tem um papel importantíssimo, inclusive em nível internacional, dada a sua alta biodiversidade e áreas naturais. Entretanto, esse potencial não é reconhecido e valorizado como deveria, e a conservação da natureza é vista mais como um empecilho ao desenvolvimento do que como uma aliada.

Até o Papa Francisco, em sua Encíclica Laudato si (2015), alerta que “a perda de florestas implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e vários serviços.” Além de não conhecermos toda a nossa biodiversidade e seu potencial, muitas espécies serão extintas antes mesmo de serem descobertas.

Nos países da América Latina nota-se como o tema do incentivo à manutenção dos serviços ecossistêmicos, está fortemente relacionado aos recursos florestais. Sobre isso, Tattenbach (1998) comenta que foi a Lei Florestal (de 22 de abril de 1996) da Costa Rica, que contemplou pela primeira vez alguns serviços ecossistêmicos. E o protagonista e eixo financeiro deste esquema foi justamente o Fundo de Financiamento Florestal da Costa Rica (Fonafifo).


Apesar de a legislação brasileira obrigar, há anos, a manutenção de áreas com vegetação, a grande maioria das pessoas desconhece sua importância ecológica. Muitas vezes a necessidade financeira “aperta” e a conservação não consegue superar o Custo de Oportunidade de outros usos do solo. Os projetos de incentivos à manutenção dos serviços ecossistêmicos podem auxiliar a permanência do homem no campo e reconhecer o valor e a funcionalidade destas zonas, incentivando para que continuem usando, de forma sustentável, os territórios onde vivem, como as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, as comunidades tradicionais, entre outras.

E a falta de conservação dos ecossistemas está intrinsecamente relacionada à pandemia que estamos vivendo. As zoonoses estão cada vez mais frequentes no mundo, devido às transformações do meio ambiente, resultado da invasão de habitats naturais, que vão desde a alteração no uso da terra até as mudanças climáticas, e que reduzem a capacidade do ambiente de controlar infecções. A integridade dos ecossistemas, com a manutenção de sua biodiversidade, ajuda a controlar as doenças, dificultando a disseminação, a ampliação e a dominação dos patógenos. Um exemplo foi o surto de Ebola na África Ocidental, resultado de perdas florestais que levaram a vida selvagem a se aproximar dos assentamentos humanos.

É urgente que o Brasil possa superar os obstáculos burocráticos e legais para implementar incentivos aos proprietários que mantêm sua cobertura florestal e, assim, evitar que aqueles que pretendem modificar suas áreas florestais o façam. A experiência internacional evidencia que o Estado tem um papel chave em estruturar esquemas de Incentivo por Serviços Ecossistêmicos (ISE), combinando diversos estímulos, organizando parcerias, levando em conta a realidade de cada lugar, os recursos a manejar, seus aspectos ambientais, políticos e sociais. É uma excelente oportunidade para aliar desenvolvimento e preservação.


A sobrevivência da humanidade e a continuidade da vida humana no planeta dependem da preservação e da conservação dos recursos naturais. Também precisamos compreender que conservar é muito mais barato do que recuperar depois e os ambientes, uma vez alterados, nunca serão como antes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carta Encíclica Laudato si. 2015. Sobre o cuidado da Casa Comum. Disponível em:<http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html>. Acesso em: 10 jan. 2018.


Daily, G.C. Nature’s services: Societal dependence on natural ecosystems. Washington D.C.: Island Press, 1997.


Martínez de Anguita, Pablo y Flores Velasquez, Pablo. Diseño de Sistemas y Políticas Públicas de Pagos por Servicios de los Ecosistemas. ONG CESAL, Cooperación al Desarrollo, 2014.


Tattenbach, F. Valoracion economica de los servicios ambientales: la experiencia em Costa Rica. San José, San José: Fundación para el Desarrollo de la Coordillera Volcánica Central (FUNDECOR), 1998.

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