Rumo ao futuro: Engenheira e Analista de Sistemas transformam carros a combustão em elétricos
Quando pensamos em futuro automobilístico, certamente o carro elétrico surge em nossas mentes. Na Noruega, este futuro parece estar se aproximando. Em 2020, o país se tornou o primeiro do mundo em que os carros elétricos representam mais de 50% dos novos emplacamentos em um ano. Os quatro modelos mais vendidos no país são movidos à energia elétrica.
Também na Europa, outros países estão trabalhando para que o futuro chegue mais rápido. A França e a Inglaterra, por exemplo, pretendem proibir a venda de carros à gasolina ou a diesel a partir de 2040. Na Alemanha, a proibição acontecerá ainda antes, em 2030, e, na Holanda, em 2025. Nestes países, a indústria já oferece modelos elétricos e híbridos de forma mais acessível.
Nas nações em desenvolvimento esta realidade parece distante devido ao elevado custo da tecnologia, apesar da necessidade ambiental de implementá-la. Em 2020, o carro elétrico mais barato vendido no Brasil custava em torno de R$ 140 mil. Isto ocorre porque a tecnologia ainda não é produzida aqui, então é preciso importar os veículos, que acabam ficando muito caros devido às taxas de importação.
Pensando em mudar este cenário, a Engenheira de Telecomunicações Aline Gonçalves Santos, 33 anos, decidiu investir na conversão de motores a combustão em elétricos. O primeiro carro convertido por ela foi seu fusca, ano 1972.
O FUSCA ELÉTRICO
Formada em Engenharia de Telecomunicações, Aline trabalha com energia solar fotovoltaica e está sempre em busca de novidades dentro da área em que atua. “Em uma das procuras, em 2015, vi que no exterior já existiam carros elétricos movidos por geração solar fotovoltaica”, conta.
Aline Gonçalves Santos com seu fusca 100% elétrico
A partir da descoberta, a capixaba se encantou com a proposta e iniciou as pesquisas sobre carros elétricos. Aline percebeu que, no Brasil, não havia nenhuma tecnologia disponível no mercado, como os kits de conversão existentes no exterior, e importar era inviável naquele momento. A pesquisa voltou-se, então, para construir um projeto que utilizasse, ao máximo, recursos nacionais.
Assim, a Engenheira de Telecomunicações converteu seu primeiro veículo, o Fusca 1971, utilizando a tecnologia disponível no Brasil e o seu conhecimento. Este projeto torna mais acessível e possível, a popularização de carros elétricos no País. E é exatamente este o seu objetivo.
“O projeto de transformação se aplica a qualquer carro, porém, cada modelo dentro das suas especificidades, e suas vantagens são inúmeras”, explica. Entre os benefícios citados por Aline estão questões de saúde pública, devido à emissão de gás carbônico que o motor a combustão provoca; de tecnologia, pois coloca o Brasil mais perto dos países desenvolvidos; e de sustentabilidade, considerando a poluição causada pelos combustíveis fósseis, assim como o inevitável esgotamento deles.
Além de contemplar todos estes benefícios que o carro elétrico oferece, o projeto de Aline pretende possibilitar que esse avanço chegue para mais pessoas, a um custo mais acessível. E ela e a Engenharia não estão sozinhas na busca.
UNIÃO DE DIFERENTES ÁREAS PELO FUTURO
O analista de sistemas Júlio Boehl começou a se interessar por carros elétricos como distração. “Trabalhei minha vida toda na área de TI e os carros começaram como hobby e até mesmo como uma maneira de testar tecnologias de Internet of Things (IoT) em veículos”, conta.
IoT é o termo utilizado para descrever a rede de objetos físicos que são incorporados a sensores, softwares e outras tecnologias com o objetivo de conectar e trocar dados com outros dispositivos. Casas inteligentes, eletrodomésticos, meios de pagamento, drones e carros autônomos são alguns exemplos que usam a IoT.
O gaúcho converteu dois carros pessoais: um Citroen C3 e um Fusca. “Justamente por não ter esta formação, precisei da ajuda de vários Engenheiros diferentes. Amigos e alguns companheiros de Porto Alegre colaboraram no projeto, desenhando partes mecânicas, na revisão de projetos elétricos e eletrônicos e nos desenhos de eletrônica e mecatrônica”, explicou o analista de sistemas.
Foto: arquivo pessoal | Carro pessoal convertido por Júlio
O que era hobby tornou-se profissão e, em 2019, ele abriu uma empresa com foco no desenvolvimento de tecnologias que auxiliassem na transição para a mobilidade elétrica. “A empresa tinha a conversão de veículos como um dos pilares, mas ia de ponta a ponta. Do gerenciamento da carga, redução do impacto na rede elétrica até o desenho, criação e otimização dos veículos”, conta.
Em 2020, a empresa foi adquirida por outra gaúcha que é uma das maiores fornecedoras de sistemas de injeção after-market e de performance para veículos automotores do mundo. Hoje, a equipe de Júlio Boehl é parte dela.
A CONVERSÃO E SUAS VANTAGENS
Júlio explica que há várias maneiras para realizar a conversão, sendo que a mais comum é, primeiramente, a partir da remoção dos componentes de motor, do tanque de gasolina e dos acessórios exclusivos do motor (como bombas, filtros, etc.) e, depois, do acoplamento de um conjunto elétrico no sistema de tração do veículo.
Foto: divulgação | Projeto do suporte das baterias - parcial
“Para uma boa conversão, uma série de fatores precisa ser levada em consideração, desde cálculos de adequação do conjunto motriz e baterias, adequação mecânica do veículo, dispositivos e protocolos de segurança, à adequação dos sistemas de carga e monitoramento. Um processo mais completo de conversão exige várias disciplinas de Engenharia para uma maior qualidade e segurança no projeto e resultado final”, explica.
Além das vantagens trazidas pela Eng. Aline Santos em relação ao meio ambiente, em se tratando do motor em si, elas também existem, segundo Júlio. “Falando do motor exclusivamente, é um equipamento muito mais simples do que o motor a combustão. Consequentemente, ele tem menor manutenção e gastos programados”.
O silêncio do motor é outro ponto positivo, assim como o fato de ele possibilitar uma direção mais dinâmica. “Um motor elétrico também é muito eficiente, o que acaba por conferir um menor custo de rodagem na comparação com um movido a combustão equivalente”, completa.
Ainda em relação a valores, Aline destaca que, para fazer uma comparação justa de preços entre um motor elétrico e um a combustão, é preciso levar em conta o modelo do carro, autonomia, velocidade, capacidade de bateria e outros itens. “Se vai converter e regularizar o documento só para ter o carro como protótipo artesanal, tem um valor. Para viabilizar a transformação de mais carros, o valor já é mais acessível”, pondera.
Foto: arquivo pessoal | Carro convertido por Júlio
Entretanto, ela destaca o potencial de personalizar a conversão. “O mais legal da transformação é que ela dá a possibilidade de transformar o carro e deixar do jeito que cada um quiser. Pode colocar a autonomia que desejar. No meu caso, coloquei uma autonomia baixa e tive um custo baixo”, explica.
DESAFIOS NA ESTRADA
Apesar de a conversão dos carros pretender popularizar a tecnologia no Brasil, ainda há um longo caminho pela frente, como a dificuldade de regulamentação. “Para conversões de veículos, além da questão de custos e disponibilidade de componentes, ainda existe uma dificuldade muito grande na regularização, o que acaba dificultando o investimento e a formação de um mercado e a mão de obra dedicados à conversão”, ressalta Júlio.
Aline também destaca a falta de incentivos governamentais em níveis federal, estadual e municipal, à indústria e à sociedade, como a isenção de Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores (IPVA) para esses veículos.
“No Brasil e no mundo, veículos elétricos ainda possuem um valor mais elevado em comparação a outros equivalentes a combustão. Mesmo com a queda constante do valor das baterias, o custo de produção dos componentes necessários ao veículo ainda é mais alto. Isso se deve, entre outros motivos, pelo baixo volume atual. Com o tempo, o preço deve reduzir e popularizar esta tecnologia”, conclui o gaúcho.
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