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Como o vapor de ozônio e radiação UV podem salvar águas contaminadas por herbicidas 

Em outubro de 2023 o Ministério da Saúde, por meio do Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), identificou uma combinação de 27 agrotóxicos na água de 1 a cada 4 municípios, prejudicando a saúde pública e ambiental. O consumo de água com altos índices de agrotóxicos aumenta a probabilidade de pessoas contraírem doenças. Um estudo realizado pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba) demonstra que os principais impactos do consumo de água contaminada por agrotóxicos são a disfunção endócrina, distúrbios hormonais, surgimento de câncer, danos ao sistema nervoso e desenvolvimento de transtornos como Alzheimer e Parkinson. 

 

Tendo em mente este grande problema, Murilo Vendramin Ruffatto, Engenheiro Químico, orientado pela Prof. Dra. Andréa Moura Bernardes e pelo Prof. Dr. Salatiel Wohlmuth da Silva, fez sua pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais (PPGE3M) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua dissertação teve o objetivo de analisar os efeitos de processos oxidativos avançados como a vaporização do ozônio, a radiação UV e catalisadores em busca de mineralizar uma ampla variedade de poluentes como por exemplo os herbicidas. “Foi durante um trabalho na graduação que surgiu a primeira oportunidade de avaliar a degradação de agroquímicos por meio de processos oxidativos avançados, a partir desse momento o meu interesse no assunto apenas foi crescendo. Diante do desejo de aumentar meu conhecimento na área, encontrei no PPGE3M da UFRGS, uma linha de pesquisa liderada por dois excelentes pesquisadores. Minha decisão de focar nesta área foi guiada pela atualidade do tema referente à contaminação da água por agroquímicos e pelo compromisso com uma pesquisa que contribua para a resolução de problemas ambientais e sociais, impactando positivamente na qualidade de vida das pessoas”, relata Murilo. 

O Engenheiro explica que os agroquímicos possuem propriedades físico-químicas específicas que tornam difícil sua remoção pelo processo convencional de coagulação/floculação e remoção via sedimentação e filtração. Exemplos dessas propriedades são as baixas concentrações em águas superficiais e subterrâneas, solubilidade, estabilidade química, diversidade de contaminantes, interações inter e intra moleculares etc. e o processo convencional completo foi projetado apenas para remoção de matéria orgânica e desinfecção. Portanto, para esses contaminantes é necessário o uso de outros processos unitários de separação, adsorção ou oxidação. 

Entre os químicos que podem fazer mal para o ser humano, estão os contaminantes de preocupação emergentes (CPE), incluindo pesticidas e herbicidas amplamente utilizados na agricultura. Murilo fez sua pesquisa com foco em um único herbicida, o 2,4-diclofenoxiacético (2,4-D) que, segundo o boletim anual do Ibama (2021), foi o segundo agrotóxico mais comercializado no Brasil. 

SOBRE O ESTUDO

Os experimentos realizados para a pesquisa de Murilo consistem na geração de radicais hidroxila capazes de oxidar o herbicida sem utilização de produtos químicos perigosos ou geração de lodos. Catalisadores foram utilizados para aprimorar a capacidade de mineralização e oxidação desses componentes. Por ser uma molécula polar, o 2,4-D é bastante móvel em ambiente aquoso, o que pode explicar a sua ampla ocorrência e permanência no meio ambiente. Segundo Murilo, há um movimento crescente de estudos para aplicação dos processos oxidativos avançados para a descontaminação de águas. Isso inclui o processo de ozonização e de radiação UV. 

A vaporização do O³ (ozônio) é utilizada nesse processo porque, em fase gasosa, ele é mais estável, altamente reativo e possui um forte poder oxidante. Já a radiação ultravioleta é classificada conforme seu comprimento de onda. Existe a radiação UV-C, que tem entre 200 e 290 mm de onda, a UV-B que está entre 290 e 320 mm, e a UV-A com ondas de 320 e 400 mm. Os fótons dessas ondas possuem capacidade de provocar a ruptura das ligações das moléculas orgânicas, provocando homólise que, por sua vez, produz radicais em um mecanismo de fotólise indireta, e esses radicais podem atuar degradando os compostos presentes na água. 

RESULTADOS

Após os experimentos, Murilo concluiu que existe a influência do tipo de radiação e do pH para o sucesso desses processos de descontaminação. Especificamente a radiação UV-C e pH 12 são as condições ideais para um resultado favorável do processo. 

VANTAGENS DESSE TIPO DE PROCESSOS:

• Não há geração de lodo químico. 

• Tem um bom potencial de redução de carga orgânica. 

• Não requer grande espaço para instalação. 

• Não há utilização de produtos químicos perigosos. 

• É de fácil operação. 

• O O3 residual pode ser facilmente decomposto em oxigênio e água. 

 

A implementação de novas técnicas no tratamento de águas contaminadas por agroquímicos e outros contaminantes de preocupação emergente pode trazer grandes impactos na sociedade e no futuro do saneamento e da gestão ambiental brasileira. Alguns dos possíveis efeitos que podem ser citados são: garantir que melhores padrões de água potável sejam atingidos, melhoria na saúde pública devido à redução da ingestão desses contaminantes, conscientização da sociedade sobre o impacto da presença dos agroquímicos na água e sobre a importância de uma gestão adequada nessa área, abertura de novos mercados e desenvolvimento industrial voltado à área de saneamento. 

“Cabe destacar que países europeus já estão bem na nossa frente em relação ao uso de técnicas avançadas no tratamento de água e de efluentes, garantido qualidade social e ambiental. Portanto, a colaboração entre os setores públicos e privados, juntamente com a sociedade, poderá desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento e implementação dessas novas técnicas”, pondera Murilo. 

PROJETOS IMPORTANTES EM ANDAMENTO

 Como citado por Murilo, existe um grande movimento científico em prol da utilização dos processos oxidativos avançados para degradação de contaminantes emergentes na água. Um dos projetos que atualmente luta pela importância e visibilidade dessas técnicas é o Cluster Mempoa, que faz parte de uma iniciativa da Fapergs por meio do edital 02/2022-Projeto Inova Clusters. O edital foi lançado em março de 2022, em evento com a presença do então governador Eduardo Leite, no Palácio Piratini, e aporta R$ 24 milhões para gerar valor e induzir a criação de novos produtos e serviços em áreas prioritárias. Além disso, o edital também tem o objetivo de criar o adensamento tecnológico, a transferência de tecnologia e o crescimento do setor produtivo de forma sustentável. 

O projeto Cluster Mempoa objetiva estudar membranas e processos oxidativos avançados para a degradação de contaminantes emergentes e o reuso e recuperação de insumos como a água. Segundo a Profª. Drª. Andréa Moura Bernardes e o Prof. Dr. Salatiel Wohlmuth da Silva (UFRGS), coordenadoras do projeto junto com outras entidades, “o monitoramento apropriado e o tratamento adequado de efluentes contendo contaminantes de preocupação emergente (CPE) tornam-se cada vez mais urgentes para mitigar os problemas de longo prazo com os cuidados de saúde e meio ambiente. Essa é uma demanda de órgãos privados e governamentais e que, no Brasil, possui um grande mercado inexplorado”. 

Este projeto conta com o apoio de diversos pesquisadores de diferentes instituições como: UFRGS, UFSM, Ifsul-Pelotas, Uergs -Três Passos, Feevale, Unisc, Univates e Senai-Inovação em Engenharia de Polímeros. Conta ainda com empresas que são produtoras de equipamentos, que comercializam as tecnologias e também que são usuárias de tecnologias. Possui ainda apoio de organizações da sociedade civil e do poder público. Com esse suporte, o cluster empresarial está atuando no desenvolvimento de equipamentos e aprimorando a aplicação comercial de processos de separação por membranas (PSM) e processos oxidativos avançados (POA) para o tratamento de efluentes, visando a remoção de contaminantes de preocupação emergente (CPE). Além disso, tais processos podem obter água de reuso e separar nitrogênio e fósforo de outros contaminantes, obtendo assim uma solução com concentração adequada destes insumos para reutilização em agricultura, seguindo, portanto, os conceitos de economia circular. 

O projeto está no segundo ano de seu desenvolvimento e terá o segundo seminário para apresentação dos resultados no dia 12 de abril de 2024, a partir das 13 horas, no centro Universitário da Unisc. 

Neste mesmo campo de estudo, os professores Salatiel e Andréa também estão desenvolvendo um projeto com o Brics (CNPq-04/2022) em parceria com o A.V.Topchiev Institute of Petrochemical Synthesis da Rússia, CSIR-Central Glass and Ceramic Research Institute da Índia, Shanghai Advanced Research Institute e Zhejiang University da China e University of South Africa da África do Sul, no qual se pretende facilitar a troca de conhecimento e tecnologia multinacional envolvendo os PSM e POA, para que estes atuem de forma complementar aos processos convencionais de tratamento pelo mundo. Com isso, o objetivo do projeto é desenvolver PSM e POA para operar de forma eficiente na remoção de microrganismos e químicos patogênicos resistentes, em busca de obter um tratamento e produção de águas mais seguras para a população global. 

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