Estiagem e incêndios florestais impactam negativamente no agronegócio nacional
M.Sc. Eng. Agr. Leonardo Gonçalves Cera
Ex-Presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Agropecuário de Alegrete (CMDA)
Ex-Presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí (CBH Ibicuí)
Conselheiro Regional do CREA-RS – representante da Associação dos Engenheiros Agrônomos de Alegrete (AEAA).
Presidente da Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul (SARGS).
A região Sul do Brasil passou pela maior estiagem das últimas décadas, realidade que impôs prejuízos de bilhões de reais para o setor agropecuário. Segundo Jossana Ceolin Cera, do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), os registros pluviométricos mostraram que as chuvas se mantiveram abaixo da média histórica do Rio Grande do Sul, em todo o período da safra 2021/2022. Somente no RS, dados da Defesa Civil mostraram que 426 municípios gaúchos (86% do total) decretaram emergência em consequência da estiagem, caracterizando uma situação lamentável, pois a maioria deles possuem sua economia atrelada ao setor do agro.
No período, vários rios gaúchos apresentaram os menores registros de vazão da história. Conforme a Agência Nacional das Águas (ANA) e a Sala de Situação da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (Sema-RS), em fevereiro de 2022, foram classificadas em condição hidrológica de alerta, pela baixa disponibilidade hídrica, as bacias do Alto e Médio Uruguai, Baixo Jacuí, Caí, Camaquã, Ibicuí, Ibirapuitã, Ijuí, Negro, Santa Maria, Sinos, Quaraí e Taquari-Antas.
Em plena pandemia do Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, onde a maioria dos setores praticamente parou, foi o agronegócio que deu sustentação à economia brasileira. Em 2022 o cenário está diferente, pois o setor atravessa dificuldades e a situação irá exigir habilidade e responsabilidade dos governantes.
Em uma análise macro é possível identificar que os efeitos da estiagem não atingem apenas os produtores rurais, mas também repercutem sobre a sociedade, com o fechamento de postos de trabalho, redução da circulação de divisas nos municípios, e diminuição de investimentos em outras áreas como construção civil, comércio e setor de serviços, por exemplo. Com a quebra de safra nas lavouras e a consequente menor oferta de produtos, os preços dos alimentos tendem a subir contribuindo para a inflação e impactando negativamente na população.
Entidades representativas de produtores e de profissionais do setor mobilizaram suas federações e confederações, entre elas Farsul, Fetag, Federarroz, Aprosoja, Sargs e Confaeab, para tratar sobre a situação da estiagem. Foram emitidos e encaminhados documentos às autoridades políticas em todas as esferas, na busca de soluções que amenizassem as dificuldades enfrentadas pelos produtores e que permitissem um planejamento estratégico para enfrentamento de futuras estiagens.
A Emater-RS emitiu boletim informando que no Estado, aproximadamente, 257 mil propriedades foram atingidas pelos efeitos da estiagem e 17,3 mil famílias tiveram dificuldades de acesso à água potável. Boa parte das famílias foram atendidas com caminhões-pipas das prefeituras e do Exército Brasileiro.
Da agricultura familiar ao grande produtor, praticamente todas as culturas foram atingidas e sofreram prejuízos. Áreas de produção de olericultura e fruticultura foram perdidas e mesmo sob cultivo protegido, alguns produtores acabaram abandonando a produção devido à falta de água.
Conforme a sétima estimativa da safra de grãos 2021/22, divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), dentre os estados brasileiros, o Rio Grande do Sul foi o mais atingido pelo déficit hídrico. Em função da área abrangida e da importância econômica, as culturas de soja, milho e feijão, em sua maioria em sistemas não irrigados, foram as que apresentam maiores perdas, podendo chegar a 50% de quebra, em relação às estimativas iniciais de produtividade da Emater-RS.
Na parte sul do Rio Grande do Sul, o Irga estima perdas superiores a 20% nas lavouras de arroz, onde muitos produtores acabaram abandonando áreas para racionar água a ser utilizada em outros locais e salvar parte da produção. Ainda, conforme a Equipe Field Crops, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as perdas podem ultrapassar 30% até a colheita devido à associação de transtornos causados pela falta de água e calor elevado no período reprodutivo das plantas. Segundo informações do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí (CBH Ibicuí), a região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, detentora do maior complexo de reservatórios artificiais de água de todo o continente Americano e maior produtor nacional de arroz, os prejuízos só não serão maiores porque cerca de 50% da produção orizícola utiliza água armazenada nos reservatórios. Tais reservatórios foram construídos pelos próprios produtores ao longo dos últimos 100 anos - um case que precisa ser destacado quando o assunto envolve segurança hídrica, segurança alimentar, produtor de água, pagamentos por serviços ambientais (PSA) e também referência aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na pecuária de corte, durante os meses de verão, a maior parte dos açudes para dessedentação animal praticamente secaram e, em outros, restou um mínimo de água de baixa qualidade. Além disso, as pastagens de verão não se desenvolveram por falta de umidade no solo e os campos nativos tornaram-se praticamente "rapados" ou apresentaram vegetação de baixo valor nutricional, provocando perda de peso nos animais. Aliado às altas temperaturas, a falta de água afetou o ciclo reprodutivo das vacas que não entraram em cio e permanecerão falhadas sem geração de terneiros, impactando prejuízos aos produtores. Analisando no pós-porteira, o problema tende a causar reflexos negativos para o mercado consumidor pois, sem novos terneiros, menor será a oferta de carne no futuro, tendo em vista que animais que nascem hoje, em média, são abatidos com 3 a 5 anos. O mesmo fenômeno se aplica à ovinocultura, com as suas especificidades.
Especialistas ainda alertavam, no final de fevereiro, que caso as estimativas de frio se antecipassem, confirmando as previsões meteorológicas com formação de geada no cedo, o cenário tenderia a se agravar, pois os animais, já debilitados, chegariam ao outono com o mínimo de pasto nos campos e as primeiras pastagens somente estarão prontas em maio ou junho, havendo riscos de perdas consideráveis de animais por fome. Tal situação, foi amenizada pela ocorrência de chuvas no mês de abril na maioria das regiões.
Produtores de leite foram os que encontraram as maiores dificuldades, pois além da falta de crescimento das pastagens e do milho para silagem, que não deu corte, a alta dos insumos e o baixo preço pago pelo litro do leite estão praticamente inviabilizando a atividade, forçando a desistência de muitos produtores.
Ainda é importante destacar que a situação imposta pelas baixas precipitações e altas temperaturas foi acentuada pelos vários focos de incêndios, nos meses de janeiro e fevereiro, em diversas regiões do Estado, muitos deles iniciados de forma criminosa, trazendo ainda mais prejuízo aos produtores rurais. Situação semelhante também pode ser observada nos demais países do Mercosul - Argentina, Uruguai e Paraguai. Pequenos focos de fogo em contato com a vegetação seca tornaram-se de grandes dimensões e de difícil controle, atingindo enormes áreas, devastando pastagens, campos nativos, lavouras, florestas, destruindo benfeitorias como cercas, galpões e maquinários, ocasionando a morte de animais e impactos imensuráveis sobre a fauna silvestre e flora nativa.
Nas regiões produtoras, a aviação agrícola, muitas vezes condenada pelos meios de comunicação e ONGs, tornou-se importante aliada no combate aos incêndios de grandes proporções, obtendo bons resultados. Entretanto, problemas de infraestrutura como pistas inadequadas e em precária situação para comportar aviões de maior porte e a falta de locais para reabastecimento das aeronaves com água, colocam em risco a vida dos pilotos, dificultam e encarecem a operação, conforme nota do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).
A estiagem tem características cíclicas e, dada a importância do agronegócio para a economia nacional, é necessária a busca de soluções que tornem o sucesso das atividades agropecuárias menos dependente das condições favoráveis do clima. A agricultura é uma atividade de risco, mas o conhecimento científico e a aplicação de tecnologias apropriadas reduzem as incertezas e os prejuízos, com a aplicação de adequados manejos agronômicos dos fatores de produção, comenta o Dr. Eng. Agr. Moacir Cardoso Elias, professor do curso de Agronomia da Universidade Federal de Pelotas (Faem/Ufpel).
Para enfrentar situações de estiagem são necessárias medidas como captação e reserva de água através da construção de açudes e barramentos, em especial de médio e grande porte, fomento para projetos de irrigação e perfuração de poços artesianos para consumo humano e dessedentação animal, o que exige bons projetos sob responsabilidade de profissionais habilitados. Para isso, também é preciso agilidade nos processos burocráticos dos órgãos ambientais de licenciamento, inclusive havendo necessidade de revisão de algumas legislações.
Nas áreas produtivas é essencial o bom manejo cultural e a utilização de técnicas conservacionistas de solo e água, como o plantio na palha e em nível, o que favorece a infiltração e o armazenamento de água no solo, evitando o assoreamento e preservando a qualidade dos recursos hídricos. É evidente, portanto, a importância do Engenheiro Agrônomo na consultoria, na coordenação e na supervisão das atividades, bem como é inegável a importância de instituições de ensino, pesquisa e extensão rural como universidades, Embrapa, Irga e Emater na geração e na disseminação do saber agronômico.
Os sinistros de incêndios florestais precisam ser investigados e os culpados punidos. Apesar dos citados problemas de falta de infraestrutura para operação da aviação agrícola no combate aos incêndios, as soluções são ótimas oportunidades para a engenharia nacional.
Por fim, faz-se necessário a conscientização de que os efeitos da estiagem impactam a todos, os desafios são enormes e a discussão do assunto precisa estar em constante debate, em especial nos ambientes com potencial de interferências positivas. Certamente, o Sistema Confea/Crea possui, além de profissionais dotados de conhecimento para propor boas soluções, capacidade de oportunizar a criação de espaços para que esta demanda se traduza em resultados que beneficiem toda a sociedade.