
Engenheiro de Segurança do Trabalho Fernando Limongi
Conselheiro da Câmara de Engenharia de Segurança do Trabalho do CREA-RS

Inventário de Riscos: um só ou um problema a mais?
Introdução
No universo da engenharia, decisões administrativas aparentemente simples podem gerar impactos técnicos e jurídicos significativos. Um exemplo recorrente é a contratação de diferentes profissionais ou empresas para elaborar documentos como o LTCAT, o Laudo de Insalubridade, o Laudo de Periculosidade e o PGR. Quando cada um desenvolve seu próprio Inventário de Riscos, sem alinhamento entre si, o resultado pode ser um conjunto documental desconexo e isso compromete a segurança jurídica da organização.
Esse tipo de decisão, muitas vezes tomada com base apenas em cotação de preço, ignora um critério essencial: a cotação por técnica e preço. Diferente da simples escolha pelo menor valor, essa abordagem considera a qualificação do fornecedor, sua metodologia, escopo de entrega, capacidade de integração entre documentos, e os benefícios que pode trazer à empresa em termos de segurança, confiabilidade e conformidade legal.
O que é, afinal, o Inventário de Riscos?
Antes de avançar, vale esclarecer que este artigo não se dirige exclusivamente a colegas Engenheiros de Segurança do Trabalho, mas a profissionais de diversas áreas que atuam na gestão empresarial, técnica ou administrativa. Assim, vale explicar um pouco mais sobre o Inventário de Riscos.
O Inventário de Riscos é o núcleo técnico que sustenta a gestão de riscos ocupacionais nas organizações. Ele identifica os perigos presentes no ambiente de trabalho, avalia os riscos associados e os classifica segundo critérios como severidade, probabilidade e frequência. É a partir dele que se definem medidas de controle, planos de ação e estratégias de monitoramento.
Mais do que uma lista de agentes nocivos, o Inventário de Riscos é uma ferramenta de engenharia aplicada à saúde e segurança do trabalho. Ele deve refletir fielmente as condições reais do ambiente laboral, considerando máquinas, processos, substâncias, layouts e até aspectos organizacionais que influenciam a exposição dos trabalhadores.
MATÉRIA DE CAPA
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PALAVRA DA PRESIDENTE

ARTIGOS

CIVIL
INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
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FISCALIZAÇÃO

Documentos que se estruturam a partir do Inventário de Riscos
Antes mesmo da consolidação do Inventário de Riscos é comum que a empresa realize um levantamento preliminar de perigos, uma etapa exploratória que ajuda a mapear os pontos críticos do ambiente. A partir daí, são elaborados outros documentos técnicos, como:
• Laudo de Insalubridade, que avalia a exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos que possam comprometer a saúde do trabalhador, conforme especifica-se na NR-15.
• Laudo de Periculosidade, que identifica atividades que envolvem riscos acentuados, como inflamáveis, explosivos, eletricidade, radiações ionizantes, roubos ou outras violências físicas nas atividades de segurança pessoal ou patrimonial, motocicletas e outros agentes previstos na NR-16.
• PGR, Programa de Gerenciamento de Riscos, que estrutura a gestão preventiva e define medidas de controle e monitoramento.
• LTCAT, Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho, que serve de base para o envio de informações previdenciárias ao eSocial.
Esses documentos, embora distintos em finalidade, devem dialogar com o Inventário de Riscos. Quando elaborados por profissionais diferentes, sem integração técnica, esse diálogo se perde e os riscos da organização passam a ser descritos de formas distintas em documentos oficiais.
Como cada documento se conecta
• O Laudo de Insalubridade, conforme a NR-15, avalia a exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos que possam comprometer a saúde do trabalhador. Sua fundamentação deve estar tecnicamente conectada ao Inventário de Riscos, garantindo coerência entre os agentes identificados e os limites de tolerância aplicáveis.
• O Laudo de Periculosidade, previsto na NR-16, identifica atividades que envolvem riscos acentuados, como inflamáveis, explosivos, eletricidade, radiações ionizantes, roubos, violências físicas nas atividades de segurança pessoal ou patrimonial, motocicletas e outros agentes. Assim como os demais documentos, deve se apoiar no Inventário de Riscos para assegurar consistência técnica e legal.
• O PGR, Programa de Gerenciamento de Riscos, exigido pela NR-1, é o documento obrigatório para fins trabalhistas, que estrutura toda a gestão de riscos ocupacionais da empresa. Ele define medidas de prevenção, controle e monitoramento, baseado no Inventário de Riscos, e alimenta diretamente o PCMSO, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, que estabelece os exames médicos e o monitoramento biológico dos trabalhadores.
• O LTCAT, Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho, é obrigatório para fins previdenciários. Ele serve de base para o envio do evento S-2240 no eSocial, onde a empresa informa ao governo os agentes nocivos aos quais cada trabalhador está exposto. Essas informações são utilizadas pela Previdência Social para avaliar, por exemplo, o direito à aposentadoria especial. O conteúdo do LTCAT deve estar alinhado com o Inventário de Riscos, sendo que qualquer divergência pode gerar inconsistências graves perante o INSS.
O problema da incoerência técnica
Imagine o seguinte cenário:
• Uma empresa contrata uma consultoria de engenharia para elaborar o LTCAT, e este terá um Inventário de Riscos.
• Em seguida, contrata outra empresa, ou mesmo outro profissional, para elaborar o PGR, e este terá um inventário diferente.
Esse tipo de fragmentação é mais comum do que se imagina, especialmente em empresas de pequeno e médio porte, onde essa decisão administrativa é tomada apenas com base em preço, sem análise técnica adequada.
Invariavelmente, o gestor responsável ou os sócios da empresa sequer têm ciência da incoerência gerada, pois estão focados em seu core business, confiando que os documentos técnicos estão sendo tratados com a devida integração e o que se cria, nesse caso, é uma inconsistência real.
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O resultado dessa prática é perigoso:
• O evento S-2240 vai para o eSocial com as informações do inventário do LTCAT.
• O PCMSO será baseado no inventário do PGR, assim determina a legislação.
Assim, o acompanhamento médico, o monitoramento biológico, será feito com base em riscos diferentes daqueles informados ao INSS. E isso pode ser detectado facilmente por uma fiscalização, com potenciais consequências administrativas e até judiciais.
Esclarece-se que, quando falamos em “profissionais diferentes”, não nos referimos apenas a pessoas físicas. A incoerência pode surgir entre diferentes personalidades jurídicas, como empresas de engenharia distintas ou entre uma empresa de engenharia e uma clínica médica, por exemplo.
Dividir os trabalhos entre engenharia e medicina não é um problema, cada profissional atua dentro de sua competência técnica. O problema está em dividir os trabalhos de engenharia entre diferentes empresas ou profissionais, cada um elaborando seu próprio Inventário de Riscos. Isso, por si só, já é um risco.
Vale também outra reflexão: destinar a elaboração de trabalhos técnicos de engenharia de segurança do trabalho a uma clínica especializada em medicina ou a outros profissionais, por vezes não habilitados, não é o caminho mais seguro. A engenharia exige abordagem técnica, metodológica e normativa própria, e isso é melhor atendido por consultorias especializadas em Engenharia de Segurança do Trabalho, que são registradas nos Conselhos de classe. Ainda, se algo for judicializado, ou se for julgado no âmbito previdenciário, não há valor legal se um trabalho de engenharia não for executado por engenheiro. A responsabilidade técnica é intransferível e está diretamente vinculada à habilitação profissional.
Inventário de Riscos: um documento dinâmico
O Inventário de Riscos não é um documento fixo. Ele é dinâmico e evolutivo. Os riscos podem ser mitigados, reclassificados ou até eliminados, conforme mudanças no ambiente de trabalho. Exemplos:
• Substituição de uma matéria-prima tóxica por outra mais segura.
• Troca de equipamentos por modelos mais modernos e protegidos.
• Instalação de EPCs, Equipamentos de Proteção Coletiva, como enclausuramento de máquinas, barreiras físicas, sistemas de ventilação ou exaustão.
• Alterações no layout ou na jornada de trabalho que reduzam a exposição.
Por isso, alinhar o Inventário de Riscos entre todos os documentos legais da área de SST não significa engessá-lo ou estagná-lo. Significa que, a cada atualização, seja por mudança de processo, adoção de medidas de controle ou reavaliação técnica, o inventário deve ser padronizado e refletido de forma coerente em todos os documentos legais da empresa. A padronização não impede a evolução, ao contrário, ela garante que cada evolução seja tecnicamente registrada e juridicamente válida.
A solução inteligente e segura
A melhor prática é centralizar a elaboração e gestão dos documentos técnicos em um único profissional legalmente habilitado, ou em uma consultoria de engenharia especializada que integre laudos, programas e até projetos especiais de segurança do trabalho, e que possa abastecer a área de medicina ocupacional com informações técnicas unificadas e consistentes.
Com isso, a empresa garante:
• Um Inventário de Riscos único, coerente e juridicamente alinhado.
• Correspondência direta entre o eSocial e a prática de SST.
• Maior previsibilidade e organização nos processos.
• Menor risco de autuações e passivos trabalhistas ou previdenciários.
• Coerência nas informações apresentadas em perícias e auditorias.
• Facilidade na atualização e gestão dos dados técnicos.
• Melhor integração entre áreas, como RH, Compras, Operações e SST.
• Mais agilidade na tomada de decisão e na implantação de medidas corretivas.
Na prática: o que se espera de uma boa condução técnica
A condução técnica ideal envolve mais do que a entrega pontual de documentos. É preciso garantir que os programas de segurança estejam implantados, atualizados e acompanhados ao longo do tempo. Isso pode ser feito por meio de visitas técnicas regulares, com foco em assessoria ou consultoria especializada, que avalie mudanças operacionais, reforce o cumprimento dos planos de ação e promova ajustes sempre que necessário. Além da elaboração de documentos, esse serviço adicional pode ser contratado e anotado na ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), o que garante segurança jurídica para todos.
A responsabilidade pela coerência documental não termina na elaboração, ela se estende à manutenção e à aplicação prática das medidas propostas. E é nesse ponto que a Engenharia de Segurança do Trabalho mostra seu valor estratégico.