
Diego Schneider – Prof. Msc. Eng. Civil – MDC Projetos – Unisinos, Matheus Donadello – Eng. Civil - MDC Projetos – Unisinos, Norman Reichert – Discente de Eng. Civil - MDC Projetos – Unisinos, Pedro Verona Perini - Eng. Civil - MDC Projetos – Unisinos, Alan Rodrigo Simsen - Eng. Civil - Lyall Construtora e Incorporadora – Univates

Ponte sobre o Rio Forqueta segue destruída. Crédito: Osmar Possamai / Folha Popular
Projeto e construção da ponte em aço entre Lajeado e Arroio do Meio: desafios e soluções após o colapso durante as enchentes de 2024
A ponte metálica sobre o rio Forqueta, que conecta Lajeado e Arroio do Meio, sofreu danos graves durante as enchentes de 02 de maio de 2024, que afetaram diversas regiões do Rio Grande do Sul. Na manhã desse dia, a força da água arrastou parcialmente a estrutura, deixando as duas cidades sem esse importante meio de ligação. Com o desabamento, ainda no mesmo dia, da outra ponte da RS-130, o acesso terrestre direto entre as duas localidades foi completamente interrompido. A Figura 1 mostra a ponte de ferro antes e durante a cheia do rio Forqueta.
Figura 1 – Ponte de ferro antes e durante a enchente

(a)

(b)
Fontes: (a) RODOSOFT, 2017. Disponível em: https://www.rodosoft.com.br/2017/04/28/lajeado-tradicao-e-natureza/. Acesso em: 26 out. 2024. (b) INTEGRAÇÃO FM, 2024. Disponível em: https://integracaofm87.com.br/news-1256-laudos-sao-finalizados-e-projeto-final-da-nova-ponte-no-rio-forqueta-deve-ser-entregue-na-proxima-semana. Acesso em: 26 out. 2024.
O principal acesso a Arroio do Meio e às cidades vizinhas ocorre por Lajeado, o que torna essa ponte crucial, especialmente em situações de calamidade pública, como a enfrentada pela região. A reativação do acesso era prioritária para viabilizar, inicialmente, ações de resgate e o transporte de suprimentos. Em seguida, seria fundamental para a retomada dos serviços e do comércio na cidade.
Após 23 dias sem acesso terrestre, a iniciativa privada local, com o apoio de seus colaboradores, decidiu agir para reconstruir a ponte, reconhecendo a urgência de restabelecer a ligação entre as cidades. A obra recebeu autorização da administração municipal em 25 de maio de 2024. A proposta inicial consistia em reaproveitar toda a estrutura existente, incluindo o vão da ponte que havia sido deslocado pela correnteza e estava a alguns metros do local original, no leito do rio. Inspeções foram realizadas para avaliar a viabilidade de reutilizar a estrutura e restaurar o trecho danificado, com o objetivo de restabelecer o acesso no menor tempo possível.
Durante a inspeção, foram avaliados tanto o trecho da ponte que se manteve no local quanto os pilares de concreto armado e o trecho deslocado para o leito do rio. A estrutura metálica do vão que permaneceu em sua posição original, apesar de impactos diretos de detritos, não sofreu danos. No entanto, o tabuleiro de madeira foi danificado e precisou ser substituído. A inspeção visual dos pilares que sustentavam um dos vãos não revelou danos estruturais, enquanto a cabeceira do lado de Lajeado apresentava danos em seu topo devido ao “arrancamento” do vão. Um reparo foi realizado neste local, servindo também como base de nivelamento para a nova estrutura.
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As inspeções do vão da ponte que colapsou foram realizadas diretamente no leito do rio, observando a parte visível da estrutura, como ilustrado na Figura 2.
Tabela 2 – Registro da inspeção do vão colapsado

Fonte: Autores
A vistoria revelou danos graves na estrutura: o arrancamento do primeiro vão da treliça (10 metros), deformações severas em diagonais e montantes, além de corrosões pontuais em vários perfis e ligações. A reforma do vão deslocado exigiria também reforços para atender às normas atuais, tendo em vista que o projeto anterior era de 1927. Além disso, o resgate da ponte no leito do rio, coberta parcialmente por lama, representava um desafio logístico significativo.
Diante dessas dificuldades, decidiu-se pela construção de uma nova estrutura, sem reaproveitar a ponte colapsada. Com o tempo sendo o principal obstáculo para restabelecer o acesso, foi estipulado um prazo inicial de 30 dias para a realização do estudo de viabilidade, orçamento, projeto, fabricação e montagem. Naquela época, a disponibilidade dos insumos era uma preocupação crítica, já que quase todo o estado havia sido impactado, resultando na paralisação de várias fábricas e bloqueios nas rotas de transporte.
A nova estrutura precisava vencer um vão de 50,62 m, mantendo a largura do vão original de 5,80 m e altura de 6,05 m. O modelo de carga adotado, conforme a NBR 7188 (ABNT, 2024), foi o TB 240, aplicável a estradas e rodovias vicinais municipais, enquanto as características físicas e geométricas do tráfego foram definidas e classificadas conforme o Manual de Projeto de Obras de Arte Especiais do DNIT. Com as dimensões totais e o trem tipo definidos, o projeto avançou para as configurações arquitetônicas. As diagonais e montantes mantiveram a geometria original da ponte, mas as diagonais inferiores e superiores foram reposicionadas em relação ao projeto anterior. Essa modificação permitiu evitar o uso de perfis mais robustos, que seriam necessários para atender aos requisitos de esbeltez atuais e que aumentariam o consumo de aço.
O projeto da ponte seguiu as premissas das normas NBR 7188 (ABNT, 2024) e NBR 16694 (ABNT, 2020), e a estrutura foi modelada no software de elementos finitos SCIA Engineer. Os perfis foram dimensionados de acordo com os requisitos da NBR 8800 (ABNT, 2008). O projeto utilizou apenas quatro tipos de perfis, optando por perfis H em vez de cantoneiras, o que simplificou a execução, reduziu o número de ligações e eliminou a necessidade de talas. Os perfis utilizados estão descritos na Tabela 1 conforme cores expressas na Figura 3.
Tabela 1 – Perfis utilizados

Figura 3 – Perspectiva do projeto da ponte

Fonte: Autores
A carga de vento foi calculada conforme a NBR 6123 (ABNT, 2023), considerando os limites para a ponte tanto vazia quanto com veículos. Para esse cálculo, foi utilizado um modelo de veículo de 2m de altura em relação à superfície de rodagem, sujeito às ações do vento.
Considerou-se uma variação térmica de 45°C na treliça, e diagonais internas de travamento foram instaladas nos quatro vértices internos para garantir a estabilidade lateral da ponte. Além disso, foram utilizados apoios em neoprene em substituição aos roletes de aço originais.
O cálculo estrutural foi concluído no domingo, 26 de maio, e, no mesmo dia, a construtora iniciou a busca pelos perfis necessários. No dia seguinte, os perfis H começaram a ser transportados, realocados de outra obra para atender ao prazo estimado. Os primeiros perfis foram obtidos de um estoque em Nova Bassano, RS, e quatro dias depois, o restante chegou de Minas Gerais.
Os perfis foram cortados, soldados e pintados em uma fábrica cedida por empresários locais. Para garantir a durabilidade da estrutura, foi especificada uma pintura com espessura total de 250μm, composta por três demãos: a primeira de 100μm de primer epóxi, a segunda de 100μm de tinta epóxi, e a terceira de 50μm de tinta de poliuretano (PU).
As treliças foram divididas em quatro partes para viabilizar o transporte até o local de instalação. Transportadas deitadas, tinham uma largura de 6,5m e um comprimento máximo de 15m. Foi necessário elaborar um plano logístico específico, incluindo a interdição do trânsito na BR-386. As partes foram reconectadas no local usando parafusos pré-tensionador, como ilustrado na Figura 4.
Figura 4 – Ligações com parafusos pré-tensionador

Fonte: Autores
A estrutura foi montada no chão, próximo à cabeceira do lado de Lajeado. A montagem iniciou em 03 de junho, e a segunda parte da ponte chegou ao local no dia 05. No dia 07, a ponte foi içada e colocada em sua posição final.
Após a instalação da estrutura, procedeu-se à execução do tabuleiro da ponte. Elementos de madeiras foram dimensionados, conforme a NBR 7190-1 (ABNT, 2022). Sobre a estrutura foram dispostas, longitudinalmente, seis vigas de madeira com seção de 20 x 30cm. Transversalmente, foram posicionadas ripas de 20 x 10cm, e sobre os trilhos onde passam as rodas dos veículos, foram colocadas pranchas de 20 x 10cm de espessura, também em sentido longitudinal. Utilizou-se madeira de Eucalyptus camaldulensis devido à sua disponibilidade. A Figura 5 ilustra o processo de montagem e a estrutura do tabuleiro.
Figura 5 – Estrutura do tabuleiro


Fonte: Autores
A inauguração da ponte ocorreu no mesmo dia em que foi concluída, em 09 de junho de 2024, e o primeiro veículo a fazer a travessia foi uma ambulância, destacando a importância da obra e da reconexão entre as cidades. Dessa forma, o acesso entre Lajeado e Arroio do Meio foi restabelecido 38 dias após o colapso da ponte. Todo o processo de projeto e construção foi realizado em apenas 15 dias. Após a reabertura, a nova ponte sobre o Rio Forqueta registrou um tráfego de mais de 1,3 mil veículos por hora(1), servindo como principal acesso à cidade de Arroio do Meio por mais 59 dias, até a liberação da ponte da RS-130. A Figura 6 ilustra a ponte concluída.
Figura 6 – Ponte de ferro após a reconstrução

Fonte: Autores
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1)GRUPO A HORA. Mais de 1,3 mil veículos passam por hora pela Ponte de Ferro. 2024. Disponível em: https://grupoahora.net.br/conteudos/2024/06/13/mais-de-13-mil-veiculos-passam-por-hora-pela-ponte-de-ferro/. Acesso em: 28 out. 2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7188:2024 – Ações devido ao tráfego de veículos rodoviários e de pedestres em pontes, viadutos e passarelas. Rio de Janeiro, 2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16694:2020 – Projeto de pontes rodoviárias de aço e mistas de aço e concreto. Rio de Janeiro, 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800:2008 – Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edificações. Rio de Janeiro, 2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6123:2023 – Forças devidas ao vento em edificações. Rio de Janeiro, 2023.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7190-1:2022 – Projeto de estruturas de madeira – Parte 1: Critérios de dimensionamento. Rio de Janeiro, 2022.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. DNIT 698:100 – Manual de projeto de obras-de-arte especiais. Rio de Janeiro, 1996.
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