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Glaciologista Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)  

Por Jô Santucci / Jornalista 

Logo da expedição

Coordenador da Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica, que percorrerá mais de 20.000 km da costa do continente antártico para chegar o mais perto possível das frentes das geleiras, o glaciologista Jefferson Cardia Simões conversou com a Conselho em Revista sobre a expedição que começou dia 22 de novembro e vai até 25 de janeiro de 2025. 

No dia 6 de dezembro, o grupo estava a 61° sul, no Oceano Índico. O primeiro desembarque ocorreu no dia 8 de dezembro na estação russa, onde foram iniciados os primeiros trabalhos de campo e começou a verdadeira a circum-navegação. 

A viagem foi longa devido à grande extensão de gelo no Mar de Weddell, ao sul do Atlântico, o que nos obrigou a fazer um desvio. Agora, estamos nos aproximando do continente. 

A viagem conta com 61 pesquisadores de 7 países, Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia, 27 brasileiros de instituições associadas ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) e a projetos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar/CNPp).  

A expedição também inclui um levantamento aéreo inédito das massas de gelo, monitorando o comportamento das geleiras diante das mudanças climáticas. A tecnologia avançada do satélite Starlink permitirá a troca de informações via texto, áudio e vídeo, com acesso ilimitado à internet durante todo o percurso antártico, facilitando a comunicação e a transmissão de dados em tempo real. 

PODERIA NOS EXPLICAR O QUE É ESTA EXPEDIÇÃO QUE PRETENDE FAZER A MAIOR CIRCUM-NAVEGAÇÃO NA ANTÁRTIDA E QUAL O OBJETIVO? 

Glaciologista Jefferson Cardia Simões – O objetivo é coletar amostragens ao longo da costa, envolvendo estudos biológicos, químicos e físicos, focando dados atmosféricos, geofísicos, glaciológicos e oceanográficos do manto de gelo antártico e seu entorno.  

Quando falamos em "costa", estamos nos referindo à massa de gelo da Antártica, considerando que ela é 99,5% coberta pelo manto de gelo, com uma espessura média de 2 km. 

Você pode se perguntar: por que estamos interessados em fazer isso? Bom, essa iniciativa está relacionada a uma das grandes questões científicas atuais da comunidade polar: a estabilidade dinâmica de partes do manto de gelo da Antártica. Essa instabilidade poderia gerar um aumento no nível do mar maior do que o esperado pelos cenários do IPCC. 

Para compreender essa questão, é importante observar que partes desse manto de gelo repousam sobre um substrato rochoso localizado abaixo do nível do mar. Com o aquecimento do oceano e da atmosfera, essa interface entre gelo e rocha pode se tornar instável, permitindo que o gelo flua mais rapidamente em direção ao oceano. 

É importante ressaltar que não estamos sozinhos nesses esforços, existem diversos projetos internacionais voltados para esse tema. Esta foi uma tentativa de contribuição do Brasil, como parte dos países do Brics, para colaborar e agregar valor a esses estudos. 

O risco seria que, caso algumas dessas geleiras se tornassem instáveis e fluíssem mais rapidamente para o oceano, o aumento do nível do mar, previsto atualmente em até 60 cm ou 1,20 m pelo IPCC até 2100, poderia atingir entre 6 e 7 metros até 2200 ou mesmo 2300. Isso significaria, por exemplo, que cidades como Porto Alegre estariam submersas. 

Essa situação destaca a relevância da Antártica, que contém 90% do gelo do planeta, como um elemento crucial para o controle do nível dos oceanos. 

 

POR QUE A ANTÁRTICA É TÃO IMPORTANTE QUANDO SE ESTUDA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS? 

A variabilidade de alta frequência do gelo marinho antártico pode modular a incursão de ar frio sobre a América do Sul, tendo os ciclones extratropicais papel fundamental no transporte de calor e momento. Assim, a inclusão de dados observacionais medidos in situ durante a passagem de ciclones extratropicais no Oceano Austral e Antártico em modelos numéricos deve aprimorar a representação da circulação atmosférica regional, reduzindo incertezas e melhorando a acurácia da previsão do tempo e clima na América do Sul. 

Determinou-se que eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul, como microexplosão em 29/01/2026, ressaca em 27/10/2016 e inundação de maio de 2024 resultam de interações entre as regiões tropicais e regiões da Península Antártica/Antártica Ocidental. Ainda, constatamos que extremos de expansão de alta frequência (2–10 dias) na extensão do gelo marinho antártico, nos setores do mar de Ross e do Oceano Índico, modulam a incursão de ar polar frio sobre a Amazônia no inverno austral. 

Outro grande tópico da expedição está relacionado às questões de mudanças ambientais. Basicamente, observamos no Oceano Austral, anteriormente chamado de Oceano Antártico, algumas das mais intensas e amplas modificações ambientais que estão ocorrendo no mundo. Isso se deve, claro, ao aquecimento atmosférico e a outros processos climáticos. 

O Oceano Austral está se tornando menos salino, principalmente devido à presença de água proveniente do derretimento da Antártica. Ele também está se tornando mais ácido, um fenômeno causado pela maior concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera. Esse excesso de CO₂, que estamos lançando, é absorvido pelos oceanos — especialmente pelos oceanos frios — e reage formando um ácido fraco, aumentando a acidez da água. Isso afeta, inevitavelmente, a biota marinha, principalmente os microrganismos e o fitoplâncton. 

Além disso, a superfície do oceano está se tornando mais quente, o que está diretamente relacionado a processos atmosféricos que têm se intensificado na América do Sul. 

O sistema climático é único e indivisível. Basicamente, há um transporte de energia das regiões tropicais para as regiões polares. Esse “motor de calor”, que é o planeta Terra, realiza esse transporte por meio da circulação atmosférica. Nas regiões polares, essa energia é perdida para o espaço. Sabemos que as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos para entender as mudanças climáticas. É um erro pensar que a Amazônia, por exemplo, é mais importante do que as regiões polares. Elas estão interligadas: mudanças nos trópicos afetam a Antártica e mudanças nas regiões polares afetam os trópicos. 

As regiões polares possuem, ainda, mecanismos de retroalimentação que amplificam as mudanças climáticas. Por exemplo, o Ártico está aquecendo quatro vezes mais rápido do que a média global, enquanto a Antártica aquece ao dobro da média. Um desses processos é o chamado albedo: quando o gelo derrete, o oceano mais escuro absorve mais energia solar, aquecendo a atmosfera e os oceanos, o que causa ainda mais derretimento do gelo. Esse ciclo vicioso é apenas um dos muitos feedbacks que ocorrem, incluindo aqueles relacionados às correntes oceânicas. 

As regiões polares funcionam como "canários na mina" — um alerta precoce sobre processos que podem ocorrer em escala global. Elas também são fundamentais para reconstruir a história climática, determinando a variabilidade climática natural e diferenciando-a dos processos causados pela interferência humana. Estudos baseados em testemunhos de gelo, área em que concentro minha atuação profissional, nos permitem reconstruir a história química da atmosfera e a variabilidade climática ao longo de centenas de milhares de anos. Alguns registros já alcançam 800 mil anos. 

Cabe destacar que a maior contribuição da ciência antártica para as mudanças climáticas é o registro claro e detalhado da variabilidade do clima e dos gases de efeito estufa ao longo desse período. Descobrimos, por exemplo, que nunca, em 800 mil anos, as concentrações dos três principais gases de efeito estufa — CO₂, CH₄ (metano) e N₂O (óxido nitroso) — foram tão altas quanto nos últimos 50 anos. 

Outro ponto importante é a biodiversidade antártica. Ela desenvolveu uma ecologia adaptada a fatores extremos, como as baixas temperaturas, a escassez de água líquida durante parte do ano e a variação sazonal da luz, que alterna entre longos períodos sem luz e dias com até 24 horas de luz no verão. Esses processos mostram tanto a resiliência da biodiversidade quanto sua sensibilidade a pequenas alterações climáticas. Já observamos migrações para o sul de pinguins, peixes e outras espécies, além do "esverdeamento" de algumas ilhas, com crescimento de musgos e gramíneas. 

Entender a variabilidade climática no Oceano Austral, bem como a temperatura e outras características da superfície do oceano, é essencial para aprimorar nosso entendimento da circulação atmosférica e oceânica no Atlântico Sul e na América do Sul. Um exemplo claro é a formação de frentes frias, muitas vezes chamadas de frentes polares, no Oceano Austral. A gênese, a intensidade e a frequência dessas frentes dependem, entre outros fatores, da variação sazonal do gelo marinho ao redor da Antártica — que vai de 2 milhões de km² no verão a 20 milhões de km² no inverno. 

Essa enorme variação sazonal altera o balanço energético do planeta e influencia diretamente a intensidade e a frequência das frentes frias, além de coordenar como elas impactam as regiões ao norte. Estudos recentes do nosso grupo de pesquisa no Centro Polar e Climático, em parceria com o Grupo de Climatologia da Universidade Federal do Paraná, têm mostrado que muitos eventos extremos, como ciclones mais fortes, estão relacionados a esses processos. 

 

NO ANO QUE VEM O BRASIL VAI SEDIAR A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE 2025. QUE AÇÕES SÃO NECESSÁRIAS PARA QUE O BRASIL LIDERE A DISCUSSÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS? 

Primeiramente, é essencial ter uma política e uma fiscalização rigorosa sobre a questão das queimadas e do desmatamento desnecessário. O ponto que observo no Brasil é que, como os problemas socioeconômicos nos grandes centros urbanos e nas regiões Sul e Sudeste não são resolvidos, uma parte significativa da população acaba migrando para as fronteiras. Essas áreas tornam-se, de certa forma, um "faroeste", onde não há lei, controle estatal ou regulação adequada. 

Nos últimos anos, temos visto não apenas o aumento do desmatamento, mas também o crescimento de gangues e do crime organizado, diretamente associado a atividades ilegais, como o garimpo e a exploração de territórios sem nenhuma legalidade. Essa ausência de controle estatal resulta em uma combinação de exploração desenfreada e queimadas. 

Um ponto interessante, já discutido no Rio Grande do Sul, é a valorização da pecuária de qualidade. Por que explorar e desmatar o Cerrado ou a Amazônia para criar gado de baixa qualidade, quando podemos valorizar biomas como os Pampas, que são mais adequados para a pecuária? É fundamental adotar uma abordagem sustentável que respeite as características de cada bioma e promova o tipo de exploração econômica mais apropriado. 

O que falta, de fato, é uma visão mais ampla e menos imediatista. Esse seria o primeiro passo. O segundo seria um posicionamento mais efetivo do Brasil em questões globais. Não se trata apenas de discutir a Antártica, mas também o Ártico, as savanas e outros ambientes sensíveis do planeta. Isso requer uma abordagem que envolva as relações internacionais e a governança ambiental global, que se tornará cada vez mais essencial em um planeta com recursos limitados. Precisamos abandonar a ideia equivocada de que os recursos naturais são ilimitados. Essa visão é insustentável e ilógica. 

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