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Eliana Veleda Klering

Meteorologista, Doutora em Agrometeorologia, Professora do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas, Conselheira da CEAGRO

​MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO AGROMETEORÓLOGICO

Nas últimas décadas o estado do Rio Grande do Sul (RS) vem sendo castigado pelo excesso de chuvas, inundações, enchentes e secas severas. As estações não estão mais bem definidas, pois faz calor no inverno e as temperaturas estão mais baixas na primavera. Diversos estudos científicos mostram que essas alterações podem ser atribuídas às mudanças climáticas e ao aumento do efeito estufa.

A intensificação do efeito estufa, em virtude do aumento da queima de combustíveis fósseis e das mudanças de uso e cobertura do solo, tem levado a gradativa alteração nas condições climáticas predominantes em diversas partes do Planeta. Na região Sul do Brasil, as mudanças climáticas têm impactos mais contundentes no que diz respeito ao aumento da temperatura mínima e na intensificação dos eventos extremos (chuvas excessivas e secas severas). O número de frentes frias relacionadas às geadas intensas vem diminuindo ao longo das últimas décadas, havendo, assim, tendência de invernos mais quentes. A elevação na temperatura aumenta a capacidade do ar em reter vapor d’água e, consequentemente, há maior demanda hídrica. Em resposta a essas alterações, os ecossistemas poderão aumentar sua biodiversidade ou sofrer influências negativas.

​MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO AGROMETEORÓLOGICO

A agricultura, o aquecimento global e os danos que as mudanças climáticas podem causar na produção agrícola compõem um ciclo de causas e efeitos relacionados. Segundo estudos elaborados na Universidade de Aberdeen (Reino Unido) e divulgados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), em nível mundial a agricultura é uma das responsáveis pelo aumento de temperatura: as emissões do setor, somadas ao desmatamento para a conversão de terras para o cultivo, representam, aproximadamente, 25% de todas as emissões antropogênicas de gases do efeito estufa (GEE).

Considerando este cenário, no RS, as culturas mais prejudicadas serão trigo e o milho em função do encurtamento do ciclo destas culturas e, consequentemente, de menor período para o enchimento de grãos. Por outro lado a soja e o arroz irrigado tendem a serem favorecidas em função da maior disponibilidade de água no solo. O arroz poderá ser beneficiado, também, em função de que as mudanças climáticas podem reduzir a incidência de choques térmicos provocados pelo frio na pré-floração.

O aquecimento global pode, também, provocar mudanças no ciclo hidrológico e na disponibilidade de energia para aquecimento e/ou resfriamento global. Assim, todas as formas de vida podem sofrer influências, tanto positivas como negativas. As questões associadas à agropecuária estão relacionadas, basicamente, ao conforto térmico dos animais. Mudanças nos mecanismos biológicos dos animais com certeza trarão problemas à produção animal. Assim, deverão ser desenvolvidas novas práticas relacionadas ao conformo térmico, como por exemplo, a construção de edificações rurais adequadas para as exigências bioclimáticas de cada espécie animal.

Durante a última década observou-se um grande avanço na produtividade das principais culturas plantadas no RS. Estes aumentos estão relacionados, principalmente, ao desenvolvimento de cultivares mais adaptadas ao nosso clima e também da adoção de técnicas de manejo eficientes. Um aspecto importante a ser ressaltado é o avanço da soja sobre as áreas de várzea na Zona Sul do Estado, em função do desenvolvimento de cultivares mais tolerantes a umidade do solo.

No que diz respeito às mudanças climáticas no Estado, o aspecto mais relevante que vêm se observado está relacionado ao aumento da ocorrência de eventos extremos. Além disso, há um aumento das temperaturas mínimas, o que se traduz em noites mais quentes. Segundo pesquisas elaboradas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul houve um acréscimo na temperatura mínima de aproximadamente 1,5°C com relação à média climatológica. Em tese, este fato pode ser favorável para a produção de grãos em virtude da alteração em alguns mecanismos de respiração das plantas.

Com a crescente tendência de se minimizar os efeitos adversos da exploração agrícola sobre o ambiente, o planejamento do uso da terra, com base nos aspectos forçantes do clima, vem fornecendo elementos para o desenvolvimento da agricultura sustentável. Em todo ciclo de uma cultura agrícola, desde a semeadura até a colheita, os tratos culturais são realizados em função das condições meteorológicas. O acompanhamento dessas condições e a utilização da previsão do tempo se constituem com ferramenta fundamental para a operacionalização das atividades inerentes ao setor agrícola. Em síntese, a Agrometeorologia tem como principal aplicação o planejamento e a tomada de decisão, tanto na produção vegetal como na animal, tornando-se indispensável para o processo produtivo viável economicamente.

Segundo as projeções divulgadas pelo IPPC, podem ser feitos dois tipos de prognósticos para os próximos 150 anos. O prognóstico considerado pessimista prevê aumento da chuva na região noroeste do RS, com acréscimo de 10% frente às condições observadas atualmente. Para a temperatura as projeções mostram um aumento entre 4,0 e 6,0°C para o Estado. No cenário considerado otimista, não haveria aumento significativo no total de chuva, no entanto, haveria aumento de intensidade desta. Para as temperaturas o cenário otimista mostra um aumento de aproximadamente 3,0°C. Os cenários pessimista e otimista levam em consideração a emissão dos GEE. No cenário otimista são mantidas as emissões atuais e no pessimista consideram-se aumentos nas taxas de emissão.

​MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO AGROMETEORÓLOGICO

A ocorrência de mudanças climáticas são fatos observados e documentados. Em escala global, o ano de 2024 caminha para quebrar o recorde entre os mais quentes já registrados. Junho foi o décimo terceiro mês consecutivo de recordes de calor na Terra. Desde junho de 2023 vem-se registrando recordes consecutivos de temperatura a cada mês, este dado preocupante mostra que estamos claramente em um período de emergência climática. Segundo dados do observatório europeu Copernicus o número de dias com anomalia positivas de temperatura acima de 1,5°C já atingiu um novo máximo muito antes do final de 2024 (Figura 1).

Figura 1. Anomalias mensais globais da temperatura do ar em superfície (°C) relativas ao período entre 1850-1900 desde o período de janeiro de 1940 até junho de 2024, plotadas como séries temporais para todos os períodos de doze meses compreendendo de julho a junho do ano seguinte. Os doze meses de julho de 2023 a junho de 2024 estão representados por uma linha realçada em vermelho, enquanto todos os outros períodos de doze meses são mostrados com linhas finas sombreadas de acordo com a década, desde azul (1940s) até laranja (2020s).

Anomalias mensais globais da temperatura do ar em superfície (°C)

Fonte dos dados: ERA5. Créditos: Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (https://climate.copernicus.eu/copernicus-june-2024-marks-12th-month-global-temperature-reaching-15degc-above-pre-industrial)

As ações mitigadoras que forem tomadas agora não irão resultar em alterações imediatas, mas sim em longo prazo, o que nos torna responsáveis pela qualidade do ambiente que iremos deixar para as gerações futuras.

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