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Ivan Cesar Tremarin

Ivan Cesar Tremarin

Engenheiro Ambiental, mestre em Tecnologia Ambiental – Presidente da Associação dos Engenheiros Ambientais e Sanitaristas do Vale do Taquari – RS. Conselheiro do CREA RS.

Paulo Robinson da Silva Samuel

Paulo Robinson da Silva Samuel

Engenheiro Civil, mestre em Engenharia Civil, doutor em Minas, Metalúrgica e Materiais – Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Abes-RS. Conselheiro do CREA RS.

Inundações no Rio Grande do Sul, que lição tirar desta catástrofe climática?

1. Introdução

O Rio Grande do Sul tem sido constantemente atingido, desde setembro de 2023, por grandes volumes de precipitações pluviométricas e inundações. Como exemplo pode-se citar a inundação do Rio Taquari em Lajeado que, em setembro de 2023, superou a cota dos 29,62 metros (SACE/CPRM), ultrapassando assim a de 1941. O Vale do Taquari que foi afetado por quatro inundações em oito meses (set/2023-mai/2024), registrou a maior inundação na cidade às 13h30do dia 02 de maio de 2024, com cota de 33,66 metros (SACE/CPRM).

Todos os registros históricos do RS foram superados pela catástrofe climática de maio de 2024, onde os volumes de chuva foram extremamente elevados. Cita-se por exemplo, o registro da estação pluviométrica A840 do Inmet, localizada em Bento Gonçalves, que registrou volume de chuva de 172,6 mm no dia 02 de maio de 2024 e 488 mm entre os dias 30 de abril e 02 de maio. Em uma semana ultrapassou os 650 mm de chuva.

O volume excessivo registrado em todas as regiões do Estado trouxe consequências catastróficas, com uma série de deslizamentos (regiões da Serra e dos Vales) e inundações (Rio Taquari, Rio Caí, Rio Jacuí, Rio dos Sinos e Lago Guaíba). Todo este volume de água teve seu potencial de transporte e de destruição (energia cinética) aumentado por percorrer arroios e rios com grande diferença de altitude (aproximadamente mil metros na Serra Gaúcha, cem metros no Vale do Taquari e cinco metros na região metropolitana de Porto Alegre).

Somando-se a este efeito, uma carga enorme de sedimentos, rochas e árvores que deslizaram das encostas e até mesmos entulhos e partes de construções civis destruídas, tudo sendo transportado pela água e aumentando o poder de destruição.

Pode-se citar ainda, o efeito da força empuxo, que tende a empurrar o material transportado para cima, diminuindo a força peso, podendo-se dizer que o material transportado se torna “mais leve” quando está dentro da água.

Como consequência à inundação, observou-se a destruição de cidades, pontes arrastadas, estradas interrompidas, áreas urbanas e rurais inundadas, mais de 600 mil desabrigados e 175 mortos, com enorme impacto social, ambiental e econômico. No meio rural, o solo fértil, as construções e as lavouras foram perdidas por deslizamentos e inundações. Na área ambiental, houve perdas de vegetação de encostas, de solo, da pouca vegetação que ainda restava das áreas de preservação permanente – APPs, deposição de sedimentos, entulho e a geração de 47 milhões de toneladas de resíduos sólidos nas mais de 400 mil construções afetadas ou inundadas (Sema/RS).

Figura 1 - Ponte destruída sobre o Rio Forqueta, na RS 130 entre Lajeado e Arroio do Meio (vista de Lajeado para Arroio do Meio)

Figura 1 - Ponte destruída sobre o Rio Forqueta, na RS 130 entre Lajeado e Arroio do Meio (vista de Lajeado para Arroio do Meio)

2. Das ações urgentes e estratégicas

2.1. Das estruturas mínimas

Se observarmos o contexto das inundações ocorridas nos últimos anos, temos inúmeras evidências que demonstram que, apesar da intensidade extrema dos eventos climáticos, as estruturas mínimas poderiam e deveriam ter sido revisadas, mantidas ou refeitas para mitigar os impactos. Cita-se aqui, desde a proteção básica do solo, das APPs, das matas ciliares, das estruturas da defesa civil e dos sistemas de contenção de inundações, como diques e casas de bombas.

Há uma urgente necessidade de sanar as negligências e pontos falhos que possam ter contribuído para a magnitude dos danos observados. Ações de planejamento estratégico de curto, médio e longo prazo são necessárias, a fim de atingir como um todo as áreas das bacias hidrográficas - BHs (seus componentes socioeconômicos e ambientais). É importante salientar que as chuvas ocorridas em 2023 já tinham evidenciado falhas de manutenção em equipamentos ou estruturas, bem como alertado para áreas onde existiam edificações, mas que não tinham a mínima proteção contra cheias ou estavam suscetíveis a desmoronamentos.

2.2 Gestão dos Recursos Hídricos

O RS possui legislação avançada e precursora no Brasil sobre recursos hídricos, no entanto, a implementação dessa política e do sistema estadual de recursos hídricos têm sido deficientes. Os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), que possuem caráter deliberativo e já estão constituídos no Estado, não têm recebido a devida atenção. Pode-se citar ainda, um fator agravante, as Agências de Região Hidrográfica, que deveriam exercer um papel técnico fundamental no Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH), permanecem não implementadas após quase três décadas.

 

Esse conjunto de estruturas de gestão, possui um papel crucial na mitigação das causas e consequências de eventos extremos, como secas e enchentes, recuperação e preservação dos recursos hídricos.

A plena implementação dos instrumentos de outorga e cobrança poderá melhorar as condições da rede de monitoramento, permitindo previsões mais precisas e ações preventivas mais eficazes. Os recursos de cobrança de outorgas de uso d’água podem ser utilizados para medidas de mitigação dos eventos climáticos extremos, tanto de enchentes quanto de estiagens, além da recuperação ambiental necessária em todas as bacias hidrográficas (BHs).

Necessita-se de um plano de ações contemplando a BH como um todo, conforme os itens elencados a seguir. Para isso temos que avançar, visto que dos 25 Comitês de Bacia existentes, somente 11 comitês têm seu Plano de Bacia completo.

Figura 2 - Ponte de Ferro, sobre o Rio Forqueta, levada parcialmente, Ligação Lajeado e Arroio do Meio (vista de Lajeado para Arroio do Meio).

Figura 2 - Ponte de Ferro, sobre o Rio Forqueta, levada parcialmente, Ligação Lajeado e Arroio do Meio (vista de Lajeado para Arroio do Meio).

2.3 Gestão e Cuidados com o Solo

A gestão adequada do solo é crucial para mitigar os efeitos das inundações. O uso inadequado do solo, como a agricultura intensiva sem práticas de conservação, pode levar à compactação do solo e à redução da sua capacidade de absorção de água. A implementação de técnicas como o terraceamento, a rotação de culturas e a cobertura vegetal permanente podem ajudar a aumentar a infiltração de água no solo e reduzir o escoamento superficial e transporte de sedimentos.

2.4 Matas Ciliares e Áreas de Preservação Permanente (APPs)

As matas ciliares, vegetação natural ao longo dos cursos d'água, desempenham um papel vital na proteção dos rios e na prevenção de inundações. Elas atuam como zonas de amortecimento, absorvendo o excesso de água e reduzindo a velocidade do escoamento superficial. A preservação e a recuperação dessas áreas são fundamentais. A falta de matas ciliares contribui com o assoreamento dos rios, diminuindo sua capacidade de vazão e aumentando o risco de transbordamentos. As APPs são legalmente protegidas e qualquer atividade que cause degradação de tais áreas deve ser evitada.

2.5 Zonas de Amortecimento

As zonas de amortecimento são áreas adjacentes às APPs que ajudam a reduzir os impactos ambientais das atividades humanas. Estas zonas devem ser manejadas de maneira sustentável para proteger os recursos hídricos e reduzir os riscos de inundações. A criação de bacias de retenção e áreas de infiltração pode ser uma estratégia eficaz para reduzir o volume de água que escoa diretamente para os rios durante eventos de chuva intensa.

Figura 3 - Deslizamento na RS 129, parcialmente desobstruída, em Vespasiano Corrêa.

Figura 3 - Deslizamento na RS 129, parcialmente desobstruída, em Vespasiano Corrêa.

2.6 Riscos à População e às Edificações

As inundações apresentam riscos significativos à população, incluindo a perda de vidas, desabrigamento e problemas de saúde pública devido à contaminação da água. As edificações em áreas de risco, como encostas e margens de rios, estão particularmente vulneráveis. A implementação de políticas de zoneamento urbano que proíbam construções em áreas de risco é essencial para proteger a população. Além disso, sistemas de alerta precoce e planos de evacuação bem estruturados podem salvar vidas durante eventos de inundação.

2.7 Dragagem

Este é o tema mais anunciado como política imediata no Vale do Taquari e também na região metropolitana de Porto Alegre. É uma solução aplicável, porém deve ser pensada em conjunto com as demais ações descritas anteriormente, a fim de evitar que, nas próximas inundações, os sedimentos sejam depositados novamente.

A dragagem envolve a remoção mecânica de sedimentos do leito do rio utilizando equipamentos especializados, como dragas hidráulicas ou mecânicas. Sua vantagem é a efetiva e rápida remoção de grandes volumes de sedimentos. Porém, como desvantagens, destacam-se o alto custo e impactos ambientais adversos, como a turvação da água e a perturbação de habitats aquáticos.

 

Assim como para as demais opções, necessita-se de estudos detalhados e equipes técnicas multidisciplinares e especializadas.

2.8 Bioengenharia ou Engenharia Natural

É uma técnica utilizada a séculos na Europa e utilizada em inúmeros projetos no Brasil, baseada na utilização de elementos estruturais naturais em conjunto com a vegetação para estabilizar margens de rios e encostas, a fim de reduzir a erosão ou impactos negativos. A implementação vale-se de técnicas biológicas (biotécnicas) em que plantas, ou parte destas, são usadas como material vivo de construção. Sozinhas, ou combinadas com materiais inertes, tais plantas devem proporcionar estabilidade às áreas em tratamento.

Possui como vantagens, ser uma solução sustentável a longo prazo, melhora da qualidade da água, contribuição para a biodiversidade e redução da erosão. E como desvantagens, os resultados mais lentos e a necessidade de manutenção contínua.

Figura 4 - “Bota espera” dos resíduos coletados após a enchente em Porto Alegre.

Figura 4 - “Bota espera” dos resíduos coletados após a enchente em Porto Alegre.

2.9 Pagamento por Serviços Ambientais – PSA

O Art. 225. da Constituição Federal, deixa explícito que cabe ao Poder Público e à coletividade defender e preservar o meio ambiente. Como o efeito benéfico de qualquer melhoria ou política de preservação ou de recuperação ambiental ocorre em nível de coletividade (global), porém, a ação de implantação acaba impactando muitas vezes uma propriedade (indivíduo) ou região específica. O benefício ambiental é coletivo, no entanto os custos de implantação são individualizados.

Neste sentido, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA) - Lei nº 14.119/2021, cria um marco regulatório para a valorização econômica dos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas (a coletividade). Esta legislação reconhece e incentiva a conservação, recuperação e uso sustentável dos recursos naturais, oferecendo um mecanismo financeiro para compensar os responsáveis por práticas que geram benefícios ambientais.

Este mecanismo proporciona a transferência monetária direta aos provedores de serviços ambientais, com compensações através de incentivos fiscais, créditos de carbono ou outras formas de compensação que valorizem economicamente as atividades de conservação. Compensando, por exemplo, uma área produtiva de um agricultor, dentro da APP ou reserva legal, que é seu único local para ganho econômico, assim ele terá sua renda mantida, em troca da recuperação da área, para gerar benefícios/serviços ambientais à coletividade.

 

O PSA é uma ação possível e legal, tendo em vista que tanto a iniciativa pública quanto a privada, poderão aplicar recursos para recuperação de áreas de interesse ambiental, como por exemplo uma APP, bacia de detenção ou até mesmo a recuperação de uma micro BH para abastecimento público de água.

2.10 Educação e conscientização ambiental

Conforme previsto na Lei 9.795 de 1999, que dispõe sobre a educação ambiental, é obrigação dos governos estadual e municipais, desenvolver programas de educação e conscientização ambiental para informar a população sobre a importância da preservação ambiental e as medidas que podem ser tomadas para reduzir os riscos de inundações.

É fundamental e necessário que a educação ambiental seja abordada em todo o território da BH, discutindo assuntos pertinentes a cada município e suas peculiaridades.

3. Conclusão

Consideramos os dez itens elencados neste documento como sendo parte de uma ação primordial e estratégica para gestão de cada BH, sendo priorizadas e geridas conforme as necessidades, considerando as peculiaridades socioeconômicas e ambientais. As ações devem ser compostas e geridas por quadros técnicos habilitados, multidisciplinares e com experiência na área. Ainda cabe destacar que a participação e engajamento da comunidade é fundamental para que ocorram mudanças significativas nas ações políticas que envolvem a gestão dos recursos econômicos e ambientais.

A elaboração de um plano estratégico que defina ações de curto, médio e longo prazo faz-se necessária a fim de minimizar os danos e mitigar os efeitos causados pelas catástrofes climáticas. Um novo olhar se despertou na sociedade gaúcha, haja vista os inúmeros impactos catastróficos ocorridos em todo o Rio Grande do Sul, afetando todos os setores econômicos.

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