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TRANSIÇÃO ENERGÉTICA NO RIO GRANDE DO SUL: UMA NECESSIDADE URGENTE

A transição energética é tema central nas discussões globais e regionais sobre sustentabilidade e saúde do planeta, que sofre com tragédias climáticas cada vez mais frequentes. Com a queima de combustíveis fósseis representando mais de 70% das emissões globais de gases poluentes, é urgente que governos incentivem e empresas adotem fontes de energia mais limpas.

No Rio Grande do Sul, o desafio se apresenta também como oportunidade para diversificar a matriz energética. Porém, apesar das iniciativas em curso, a transição para uma matriz mais limpa enfrenta desafios no estado, sobretudo pela forte presença da indústria de combustíveis fósseis.

Porém, em 2022, uma das usinas gaúchas - Candiota III, no município de mesmo nome - se destacou como maior emissora entre as usinas do país, sendo, junto a isso, a usina menos eficiente. De acordo com dados do 3º Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), “sozinha ela é responsável por 12% das emissões de GEE inventariadas”, demonstrando a necessidade de buscar alternativas mais eficazes e menos poluentes.

E elas não faltam: energia solar, eólica e as biomassas, como o bagaço da cana. Estas são as fontes de energias renováveis que têm o maior potencial de substituição aos combustíveis fósseis no curto e médio prazo, conforme explica Ricardo Baitelo, gerente de Projetos do Instituto IEMA e doutor em planejamento energético pela USP.

Ricardo Baitelo

"As energias eólica e solar são as mais econômicas e competitivas. Combinadas com a biomassa, essas fontes podem substituir a geração de eletricidade nas termoelétricas movidas a combustíveis fósseis", defende.

O POTENCIAL GAÚCHO

O Rio Grande do Sul, em particular, possui um grande potencial para o desenvolvimento destas alternativas. A Eng. Civ. Daniela Cardeal, presidente do Sindienergia, destaca que "o estado possui uma matriz energética amplamente renovável, com mais de 80% de sua energia proveniente de fontes limpas e apenas 17% de fontes não-renováveis".

Eng. Civ. Daniela Cardeal

No entanto, ambos citam como um dos grandes desafios para a transição energética, tanto regionalmente quanto em âmbito nacional, o setor de transporte rodoviário, responsável por 47% das emissões de dióxido de carbono (CO2) no Brasil. "Nosso objetivo principal aqui no Rio Grande do Sul é reduzir as emissões da frota veicular", afirma Daniela, ressaltando o grande potencial do estado para essa mudança, que inclui a logística favorável com modais de baixo carbono, como hidrovias e ferrovias.

seminário do sindinergia

Além disso, Baitelo aponta que os biocombustíveis, como biodiesel e etanol de cana, já fazem parte da composição de gasolina e diesel no país. A próxima grande aposta, segundo ele, é o hidrogênio verde, que será produzido a partir de energias eólica e solar, e poderá descarbonizar o transporte de carga, atualmente um dos setores mais difíceis de adaptar.

ENERGIA QUE GERA OPORTUNIDADES

Com investidos crescente em energias renováveis, o estado tem aproveitado as condições climáticas favoráveis de suas diversas regiões. O litoral e a campanha gaúchos, por exemplo, têm se destacado na instalação de parques eólicos, devido aos seus ventos fortes e constantes. Embora já existam grandes projetos em andamento, há espaço para expansão, principalmente no que se refere à energia solar, conforme explica Christian de Souza Barauskas Cecchini, especialista técnico regulatório na Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar)

Atualmente, a energia solar corresponde a 19% da matriz elétrica brasileira, e desde 2012, o setor fotovoltaico evitou a emissão de 55 milhões de toneladas de CO2, conforme dados da Associação. Neste cenário, o Rio Grande do Sul ocupa a quinta posição nacional em geração de energia solar, com um potencial de crescimento ainda maior.

Christian Cecchini

Christian Cecchini sugere a implementação de políticas públicas, como a redução do IPTU para residências com sistemas solares e a promoção dessa tecnologia em prédios públicos, como escolas e hospitais. Ele também aponta a necessidade de criar linhas de crédito específicas e simplificadas, com juros reduzidos, para a compra e instalação de sistemas solares.

A INDÚSTRIA DO CARVÃO

Apesar do crescimento das energias renováveis, a indústria do carvão ainda é uma parte importante da economia gaúcha, gerando empregos e garantindo a segurança de distribuição de energia em várias regiões. Assim, a resistência de setores que dependem economicamente dessa atividade para a transição para uma matriz mais limpa e renovável deve ser observada pelos governos e iniciativa privada.

Para a presidente do Sindinergia, para lidar com isso, será necessário investir na capacitação profissional e na formação de trabalhadores para o setor de energias renováveis. Daniela sugere a criação de cursos técnicos voltados à transição energética, que possam auxiliar os trabalhadores da indústria fóssil a migrarem para setores renováveis sem perder suas posições no mercado de trabalho. "A união entre o setor produtivo e o setor público é essencial para garantir uma transição justa", afirma Daniela.

Ela propõe a implementação destes programas de educação e a criação de postos transitórios para realocar trabalhadores que atualmente atuam no setor de carvão. “Muitos trabalhadores estão acostumados com a indústria do carvão, mas a migração para a energia eólica, por exemplo, requer novas habilidades, mesmo que os postos continuem sendo técnicos”, explica Daniela.

Na área educacional, acredita que o foco devam ser os cursos técnicos voltados para a transição energética. “Embora as academias ofereçam formação mais aprofundada, os cursos técnicos são vistos como uma excelente ferramenta para minimizar o impacto negativo da adequação aos novos postos de trabalho. Isso ajudaria a preparar os trabalhadores para atuar em setores renováveis, garantindo que a transição não signifique a perda de oportunidades de emprego.”

Para Baitelo, a indústria do carvão é um dos pontos críticos para o futuro energético do estado. “Entendemos que Rio Grande do Sul tem uma longa história com o carvão mineral, mas essa relação precisa ser revista. É essencial que o estado planeje essa transição para indústrias mais limpas”, destaca, lembrando que estado já se destaca em energia solar distribuída e, principalmente, em projetos de eólica offshore, que tem previsão de ser realidade até 2030. “Com um dos maiores potenciais do Brasil, tanto para energia eólica terrestre quanto offshore, essa transição só trará benefícios para o Rio Grande do Sul”, considera.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA 

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Embora haja potenciais oportunidades, a transição energética enfrenta ainda alguns obstáculos, como a infraestrutura atual de distribuição, ainda insuficiente para integrar completamente as novas fontes de energia ao sistema. Além disso, a expansão das redes elétricas, a modernização tecnológica e o uso de medidores inteligentes são necessários para viabilizar essa transição, conforme relata Ricardo Baitelo.

Para Baitelo, os desafios tecnológicos e econômicos caminham lado a lado, sendo o custo inicial dos medidores inteligentes ainda muito alto, o que dificulta a implantação. No entanto, ele ressalta que as vantagens econômicas a longo prazo para os consumidores e para o sistema energético compensam os custos.

Outra necessidade citada é a criação de políticas públicas mais claras e incentivos para atrair investidores. Daniela Cardeal aponta que o Rio Grande do Sul perde competitividade em relação a outras regiões do Brasil devido às altas taxas de financiamento. “No Nordeste, por exemplo, as taxas de juros para investimentos em energias renováveis são de 8,5%, enquanto no Rio Grande do Sul, chegam a 15%, o que inviabiliza muitos projetos”, explica lembrando que a região conta com o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), que auxilia a manter as taxas mais atrativas.

Baitelo completa ressaltando que a garantia da transição energética justa é um processo que está em curso no mundo inteiro e que passa pela consolidação destes conceitos: primeiro de ‘transição energética’, depois do termo ‘justa’. “Assim, entendemos que estamos falando não só dos trabalhadores de industrias fosseis que têm que transicionar, mas dos afetados por projetos energéticos que merecem a escuta e participação, o que ainda não acontece, então eu diria que a grande lição de casa para os países é modificar o processo de aprovação e de discussão de empreendimentos energéticos como um todo, não só usinas como termelétricas, hidrelétricas ou nucleares, mas também da infraestrutura da exploração e produção de gás e petróleo.”

Ainda ressalta que esse é um processo que deve passar, então, pela revisão de como as comunidades e biomas afetados podem ser incluídos na discussão e podem ter um poder de veto e de escolha de maneira horizontal junto aos tomadores de decisão.

Acrescenta que, a responsabilidade dos grandes emissores, em uma escala global, como as indústrias de petróleo e gás devem assumir um papel significativo no combate às mudanças climáticas. O argumento é que essas empresas precisam apresentar cronogramas claros para a descontinuidade da produção de petróleo e gás e investir cada vez mais em energias renováveis. “Grandes empresas de capital continuarão a desempenhar um papel importante na transição energética, ao lado da indústria eólica e solar”, garante o especialista.

REFLEXÕES

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As enchentes que assolaram o estado e, mais recentemente, as queimadas que deixaram o céu escuro em dezenas de cidades do país evidenciam a necessidade urgente de intensificar os planos de adaptação às mudanças climáticas.

Para o gerente de Projetos do IEMA, é essencial destinar recursos e fortalecer a governança para melhorar os planos emergenciais. “Infelizmente, as medidas de mitigação têm recebido mais foco do que os planos de adaptação”, lamenta Baitelo. “Enquanto o mundo se preocupa em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, pouco tem sido feito para preparar as cidades e áreas urbanas para enfrentar os eventos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes”, complementa.

Para a Engenharia Daniela, a tragédia ambiental do mês de maio levanta questões fundamentais sobre se queremos continuar dependentes de energias fósseis ou devemos abraçar as renováveis, se pretendemos manter a ênfase no transporte rodoviário ou explorar mais hidrovias e ferrovias de baixo carbono e, por fim, se queremos indústrias que promovam a descarbonização e a inovação da mão de obra ou insistimos no modelo tradicional.

“Essas questões são provocadoras, mas cruciais para o crescimento econômico e sustentável do estado”, destaca Daniela. Ressalta, ainda, que a transição para energias renováveis trará desafios no início, mas resultará em “um desenvolvimento que valoriza a preservação ambiental e incentiva o uso racional dos recursos naturais disponíveis. Enfrentar os entraves de infraestrutura, regulação e capacitação é o caminho para que o estádio possa vir a ser uma referência no cenário das energias renováveis no Brasil.”

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