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Mateus Possebon Bortoluzzi Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia, CREA-RS 268286

Sistemas Produtivos Resilientes: A Importância do Manejo do Solo e da Água Frente às Mudanças Climáticas

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Rio Grande do Sul vivenciou a ocorrência de inúmeros eventos climáticos extremos. Dentre eles, estiagens frequentes e consecutivas    que potencializaram os períodos de déficit hídrico – disponibilidade de água no solo insuficiente para suprir a demanda das plantas – e ocasionaram prejuízos para o agronegócio e para a economia. As enchentes resultaram em danos catastróficos tanto ao meio rural quanto às áreas urbanas, afetando as mais diversas estruturas e atividades (Marengo et al., 2024). Embora esses fenômenos extremos não sejam inéditos, observa-se uma intensificação em sua magnitude e frequência, especialmente quando se amplia a análise para outras regiões, evidenciando o efeito das mudanças climáticas (Fiorini et al., 2024).

O solo, um dos maiores reservatórios de carbono na forma de matéria orgânica, foi gravemente degradado pelas enchentes, com erosão significativa da camada superficial em algumas áreas e deposição de sedimentos em outras, assim como no leito dos rios. Em ambos os casos, a depreciação da qualidade do solo foi expressiva, comprometendo o potencial produtivo, cuja recuperação pode levar anos. Nesse sentido, é preciso construir um sistema de produção rentável e sustentável, no qual o manejo adequado e as práticas conservacionistas do solo e da água são pilares essenciais.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A INTENSIFICAÇÃO
DE EVENTOS EXTREMOS

A ocorrência de eventos climáticos extremos, como estiagens, ondas de calor, enxurradas e enchentes, tem se intensificado nos últimos anos em nível global. Evidências científicas indicam que essa tendência está relacionada ao aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, o que contribui para o aquecimento. Atualmente, a temperatura média do ar é 1,1 °C superior à registrada no período pré-industrial (IPCC, 2023). Entre as principais causas estão a queima de combustíveis fósseis e as mudanças no uso da terra. Diante desse cenário, torna-se urgente adotar medidas para mitigação do aquecimento global e, ao mesmo tempo, para adaptação a esse novo normal climático.

MANEJO CONSERVACIONISTA DO SOLO E DA ÁGUA

As principais práticas conservacionistas incluem o mínimo revolvimento do solo e a implementação de um sistema de rotação de culturas eficiente, com manutenção da cobertura vegetal (Figura 1) durante todo o ano. Essas práticas são princípios básicos do Sistema Plantio Direto e contribuem para a melhoria do perfil do solo.

De modo geral, é essencial eliminar – ou ao menos minimizar - as limitações químicas, físicas e biológicas ao crescimento de raízes, permitindo a retirada de água de camadas mais profundas do solo. A cobertura vegetal contínua previne o impacto das gotas da chuva e reduz as perdas de água por evaporação, gerando um grande aporte de matéria orgânica no solo, que, além de melhorar a sua porosidade e estrutura, contribui para a fixação de CO2 atmosférico. Com isso, há maior infiltração de água, redução do escoamento superficial e controle dos processos erosivos (Figura 2), o que melhora a capacidade de retenção de água no solo, favorecendo o suprimento hídrico em períodos de estiagem.

Figura 1. Plantio Direto na palha. Frederico Westphalen, RS, 2010.

Figura 1. Plantio Direto na palha. Frederico Westphalen, RS, 2010.

Fonte: O autor

Figura 2. Erosão do solo em lavoura de milho em fase vegetativa. Coxilha, RS, 2024.

Figura 2. Erosão do solo em lavoura de milho em fase vegetativa. Coxilha, RS, 2024.

Fonte: O autor

Além disso, é essencial incorporar práticas conservacionistas complementares sempre que necessário. A semeadura em contorno e o terraceamento, por exemplo, são eficazes em atuar como barreira para a enxurrada da água que não foi infiltrada no solo. Isso permite que a água seja bem aproveitada na lavoura, evitando a erosão e diminuindo o risco de enchentes ao controlar o nível dos rios. Com isso, é possível reduzir perdas significativas, causadas tanto pela falta quanto pelo excesso de chuva, aumentando a produtividade agrícola.

 

USO EFICIENTE DA ÁGUA: ARMAZENAMENTO E IRRIGAÇÃO NA AGRICULTURA GAÚCHA

O Rio Grande do Sul apresenta um regime pluviométrico do tipo isoígro, ou seja, as chuvas são bem distribuídas ao longo do ano. Dessa forma, há um enorme potencial para o armazenamento de água visando a sua utilização em momentos de estiagem, o que pode ser feito por meio da construção de barragens de terra.

Nesse sentido, é fundamental viabilizar ações que contemplem não apenas a captação de água nas propriedades, mas também sua elevação, condução e distribuição, por meio de sistemas de irrigação (Figura 3). O uso da irrigação vem crescendo no estado e no Brasil, chegando a mais de 8,2 milhões de hectares ou 12% da área destinada à agricultura. Todavia, existem limitações em muitas propriedades para a sua implantação reforçando, ainda mais, a importância das ações voltadas para o aumento da eficiência do uso da água pelas atividades agropecuárias.

Figura 3. Sistema de irrigação como alternativa para mitigação dos efeitos de estiagens. Coxilha, RS, 2024.

Figura 3. Sistema de irrigação como alternativa para mitigação dos efeitos de estiagens. Coxilha, RS, 2024.

Fonte: O autor

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do cenário atual de intensificação dos eventos climáticos extremos, é imprescindível adotar estratégias que promovam maior estabilidade dos sistemas de produção agropecuários. O manejo adequado do solo e da água por meio de práticas conservacionistas, contribui não apenas para a obtenção de maiores produtividades frente às estiagens e aos excessos de chuva, mas também para a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

A adoção de práticas e tecnologias conservacionistas deve ser incentivada e amparada por políticas públicas e programas de assistência técnica. Um bom exemplo é o Programa de Recuperação Socioprodutiva, Ambiental e de Incremento da Resiliência Climática da Agricultura Familiar Gaúcha (Operação Terra Forte) recentemente lançado pelo Governo Estadual, que integra instituições como Emater, Embrapa, universidades e prefeituras. Mais do que a simples transferência de recursos, o Programa tem alto potencial para promover a conscientização dos produtores e auxiliá-los na elaboração e execução de um plano de ação de manejo conservacionista.

Ao compreendermos o solo como alicerce fundamental é possível construirmos sistemas produtivos mais robustos e resilientes, permitindo superar os desafios climáticos atuais e futuros. Investir na melhoria da qualidade do solo é contribuir para a segurança alimentar, a estabilidade econômica e a sustentabilidade ambiental.

 

Palavras-chave: Mudanças climáticas. Estiagens. Enchentes. Sistema plantio direto. Sustentabilidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FIORINI, A.C.O. et al. How climate change is impacting the Brazilian agricultural sector: evidence from a systematic literature review. Environmental Research Letters, v. 19, n. 8, p. 083001, 2024.

 

IPCC, 2023: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, pp. 1-34, doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001. (2023).

 

MARENGO, J. A. et al. O maior desastre climático do Brasil: chuvas e inundações no estado do Rio Grande do Sul em abril-maio 2024. Estudos Avançados, v. 38, n. 112, p. 203-228, 2024.

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