
CIDADES INTELIGENTES PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL
Cerca de 85% da população brasileira vive em áreas urbanas, enfrentando os desafios diários impostos pelos grandes e médios centros urbanos do país. Esses desafios são agravados pela crise climática, que tem intensificado ondas de calor, tempestades e secas, exigindo uma gestão municipal cada vez mais inovadora e que torne as cidades mais resilientes e eficientes para seus moradores.
Uma das principais tendências globais nessa direção é o conceito de "cidades inteligentes", uma abordagem que integra tecnologia, sustentabilidade e planejamento urbano eficiente para melhorar a qualidade de vida nos municípios. Segundo a International Data Corporation (IDC), os investimentos globais em soluções para cidades inteligentes devem ultrapassar US$ 203 bilhões de dólares até 2026, demonstrando o crescente interesse por inovações que otimizam mobilidade, infraestrutura e governança.
No Brasil, em 2022, foi assinada a Carta Brasileira de Cidades Inteligentes, elaborada de forma colaborativa com o apoio da Agência de Cooperação Alemã GIZ e em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Ministério das Comunicações (MCom) e outras 126 instituições públicas e privadas. A carta traz o conceito de "cidades inteligentes" para a realidade brasileira e propõe uma agenda para a transformação digital das cidades, na perspectiva do desenvolvimento urbano sustentável.

MATÉRIA DE CAPA

PALAVRA DA PRESIDENTE
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ARTIGOS

CIVIL
INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
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FISCALIZAÇÃO

Para que essa "virada de chave" no entendimento de planejamento urbano se concretize, a parceria entre poder público, iniciativa privada e universidades é um pilar fundamental. "É preciso ter este tripé para implementar as transformações", sentencia Eloy Casagrande Júnior, PhD em Inovação Tecnológica e Sustentabilidade, professor do Departamento Acadêmico de Construção Civil da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e responsável pelo Escritório Verde, uma referência na construção "zero carbono" no país.
Para ele, o conceito de "smart city" está em pensar "fora da caixa", buscando novas ideias para os desafios enfrentados há décadas nas áreas urbanas, onde a engenharia está intrinsicamente envolvida e precisa, cada vez mais, pensar em soluções não convencionais e interdisciplinares dentro dos desafios impostos pelo mundo atual.

Para além das novas tecnologias
Organização responsável pelo Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR), uma ferramenta que visa estimular o cumprimento da Agenda 2030 e integrar as cidades à agenda global de desenvolvimento sustentável, o Instituto Cidades Sustentáveis atua nacionalmente, com foco na interseção entre cidades inteligentes, planejamento urbano e políticas públicas. O instituto apoia os municípios com iniciativas como o Programa Cidades Sustentáveis, que oferece guias orientadores e capacitações gratuitas aos gestores municipais em temas estratégicos para a adoção de políticas efetivas de planejamento urbano sustentável.

Para o cientista social e mestre em Planejamento Urbano e Regional, Igor Pantoja, coordenador de Relações Institucionais do Instituto, uma cidade é “inteligente quando consegue otimizar os seus recursos, inclusive a própria natureza, como solução para seus problemas urbanos, garantindo o acesso aos direitos da população e voltada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas".
Neste sentido, ele considera que o poder público é um ente fundamental na implementação dessas soluções, com o critério da sustentabilidade e da integração das diversas políticas, para que sejam voltadas às necessidades da população, reconhecendo suas desigualdades. "Por exemplo, uma cidade como São Paulo, que tem 11 milhões de habitantes, ou Porto Alegre, com 2 milhões, são regiões que enfrentam grandes desigualdades. Se você não reconhecer essas desigualdades e as diferenças nas demandas dos diversos estratos sociais dentro de uma mesma cidade, não terá uma cidade inteligente. Não adianta colocar semáforos inteligentes e tecnologias de ponta em todos os lugares, porque você não vai melhorar efetivamente a qualidade de vida da população se não basear as decisões em dados, indicadores e nas percepções da população, além de espaços de participação e discussão sobre as políticas públicas."
Ele cita como exemplo a Lei nº 17.898/2024, que define as metas e os objetivos estratégicos do governo para um período de quatro anos. "Fomos pioneiros no apoio e desenvolvimento dessa legislação de iniciativa popular, que foi provocada pelo Instituto e pela Rede Nossa São Paulo. Hoje, mais de 90 cidades brasileiras têm a obrigatoriedade de apresentar programas de metas, traduzindo o programa de governo da campanha eleitoral para ações concretas, mensuráveis ao longo da gestão."
O papel da Engenharia nas cidades inteligentes

A Engenharia desempenha um papel essencial nessa transformação, desenvolvendo infraestruturas inovadoras, como sistemas de transporte integrados, redes elétricas inteligentes e edifícios sustentáveis. "A Engenharia Civil está envolvida em tudo isso, assim como a arquitetura, na infraestrutura, no urbanismo, na mobilidade, na gestão de resíduos e na questão energética. Como profissionais, precisamos ter um novo olhar diante dos desafios atuais, sendo o maior deles a sustentabilidade das cidades, principalmente com as mudanças climáticas e o que tem acontecido com nossas cidades, que ainda não estão preparadas para esse enfrentamento", destaca Casagrande.
Ele cita a construção civil, um dos setores com maiores contribuições globais de CO2 devido à alta produção de resíduos, transporte, uso de maquinário e a própria operação dos edifícios. Considera urgente uma nova forma de pensar a engenharia: "Temos soluções, a principal dificuldade é sair da visão convencional e ainda conservadora da engenharia. Por exemplo, temos técnicas construtivas de baixo carbono que usam mais madeira do que cimento — o cimento é hoje o grande vilão da construção civil. Estima-se que 8% das emissões de carbono venham da indústria de cimento no mundo. Precisamos reduzir seu uso ou desenvolver um 'cimento verde', ainda em fase laboratorial, e diversificar as práticas da construção, como a construção multiframe ou steel frame, que tem uma pegada menor e usa mais madeira, como a madeira engenheirada."
Além disso, cita outras soluções de construção sustentável, como sistemas de energia solar fotovoltaica, aquecimento de água térmico, coleta de água de chuva e telhados verdes. "Tudo isso faz parte de uma construção que, além de promover melhor qualidade de moradia, contribui para reduzir o impacto ambiental da construção civil."
Ele destaca, porém, que o Brasil ainda conta com poucas iniciativas dessa natureza. "Ainda precisamos vencer a barreira do conservadorismo da construção civil. Existe um lobby muito grande formado pelos setores do cimento, aço, tijolo e cal — da construção convencional úmida. É necessário ter um programa, junto aos órgãos representativos — como Creas, Sinduscons e secretarias estaduais — que facilitem o uso dessas novas tecnologias, talvez até com isenção de impostos, como o IPTU Verde, que já existe em algumas cidades, para estimular essas construções em larga escala."
BOX 1: Economia Circular na Construção Civil – Um Pilar das Cidades Inteligentes
BOX 1: Economia Circular na Construção Civil – Um Pilar das Cidades Inteligentes

A economia circular é um conceito fundamental para a construção civil nas cidades inteligentes, pois propõe um modelo de produção e consumo sustentável, reduzindo o desperdício e promovendo a reutilização de materiais. Segundo a Engenheira Civil Mayara Regina Munaro, professora, especialista no tema, esse modelo "permite repensar as práticas econômicas da sociedade, pelo princípio de 'fechar o ciclo de vida' dos produtos, reduzindo o consumo de matérias-primas, energia e água, além da geração de resíduos."
Na prática, a economia circular pode ser aplicada em diversas fases da construção:
- No projeto: uso de materiais recicláveis e sustentáveis, além de um design pensado para desmontagem e reaproveitamento.
- Na utilização: manutenção eficiente, reaproveitamento de água e otimização do consumo energético.
- No fim da vida útil: demolição seletiva, recuperação de materiais e reciclagem de resíduos.
Apesar dos benefícios, a implementação desse modelo enfrenta desafios, como a necessidade de políticas públicas e incentivos fiscais. "É preciso regulamentações específicas, incentivos econômicos e forte investimento em inovação tecnológica para acelerar essa transição", ressalta Mayara.
Tecnologias como o BIM (Building Information Modeling) e a industrialização da construção civil vêm impulsionando essa mudança. "A digitalização do setor e métodos como a construção modular permitem maior eficiência, redução de desperdícios e reaproveitamento de materiais. Quando conseguimos projetar edificações já pensando na desmontagem e reaproveitamento de seus componentes, estamos, de fato, aplicando a lógica circular", explica.
Para que as cidades do futuro sejam sustentáveis e inteligentes, é essencial que a construção civil adote práticas circulares, aliando inovação, eficiência e respeito ao meio ambiente. Como destaca a professora: "A transição para um modelo circular exige não apenas tecnologia, mas uma mudança cultural no setor da construção. Precisamos enxergar os resíduos como recursos e não como descarte."
BOX 2: Desafios e Iniciativas Exitosas

Dedicado a implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) de cidades inteligentes, o Instituto de Planejamento e Gestão de Cidades (IPGC) implantou, em Carmo do Cajuru, Minas Gerais, a primeira iniciativa deste escopo no país. De acordo com Thiago Grego, vice-presidente do IPGC, o projeto integrou iluminação pública com tecnologia LED, infraestrutura de telecomunicações por fibra óptica, Wi-Fi público em espaços estratégicos, sistemas de videomonitoramento urbano, internet dedicada para prédios públicos e a geração de energia solar por meio da instalação de placas fotovoltaicas.
“O grande diferencial desse modelo é sua capacidade de aliar inovação tecnológica com sustentabilidade e melhoria direta da qualidade de vida da população, o que garantiu reconhecimento internacional: o projeto de Carmo do Cajuru foi destacado pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Unece) como um exemplo inovador de iniciativa 'people first', ou seja, centrada nas pessoas e em suas necessidades reais”, relata.
Seguindo esse modelo, o IPGC estruturou projetos de cidades inteligentes por meio de PPP em outras cidades do país, como Ouro Preto e Nova Serrana, ambas em Minas Gerais, e Mogeiro na Paraíba. “Sempre ajustamos as propostas às características e demandas locais. Em Ouro Preto, por exemplo, nosso desafio foi integrar tecnologia à preservação do patrimônio histórico, promovendo uma transformação que respeita a identidade cultural local. Já Mogeiro se destacou como a primeira cidade da Paraíba a receber o projeto de cidade inteligente”, explica Thiago Grego.
Para o vice-presidente do IPGC, apesar dos problemas estruturais que o Brasil enfrenta, todas as cidades brasileiras têm potencial de se tornar cidades inteligentes. “Independentemente do porte, da localização ou da infraestrutura atual, o que diferencia as cidades que avançam nesse caminho não é apenas a base tecnológica existente, mas, sobretudo, a presença de boa governança, vontade política e a capacidade de estruturar projetos viáveis, sustentáveis e centrados nas pessoas.”
Soluções Eficazes
As soluções tecnológicas mais eficazes para reduzir a pegada de carbono das cidades são aquelas que promovem eficiência energética, uso de fontes renováveis, gestão inteligente de serviços públicos e mobilidade urbana sustentável. Entre elas, destacam-se:

A iluminação pública com tecnologia LED e a geração de energia solar para prédios públicos, que reduzem o consumo de energia e as emissões associadas à geração tradicional.

A gestão inteligente de saneamento e resíduos, com sensores e automação, que evitam desperdícios, promovem o reuso de água e reduzem emissões ao otimizar processos e rotas.

A infraestrutura de telecomunicação e sensores ambientais, que permite monitorar em tempo real indicadores como qualidade do ar, consumo energético e condições climáticas, favorecendo decisões mais sustentáveis.

As tecnologias voltadas à mobilidade urbana, como sistemas de transporte público inteligente, integração modal, gestão de tráfego em tempo real e incentivo ao uso de meios não motorizados, como bicicletas elétricas e veículos compartilhados. Essas soluções ajudam a reduzir o número de carros nas ruas, diminuir congestionamentos e cortar emissões provenientes do deslocamento diário.