A história por trás do Eniac
Reconhecido desde 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o dia 8 de março é símbolo de celebração da mulher e seu papel na sociedade ao redor do mundo. Apesar disso, a data carrega esse significado há mais de 100 anos, surgindo no movimento operário no início do século XX, quando cerca de 15 mil mulheres marcharam em meio a Nova York reivindicando direitos básicos de condições de trabalho e a possibilidade de votar. É fato que, em meio a todo esse tempo, muitos direitos foram de fato conquistados para as mulheres, mas também é necessário reconhecer e reivindicar que ainda estamos muito longe da verdadeira igualdade de gênero.
Em áreas como a tecnologia, ciências exatas e engenharias essa disparidade é ainda mais evidente e, infelizmente, parece seguir um ritmo de evolução ainda menor. Dados da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) sobre o ano de 2017, mostram que apenas 28% dos formados em engenharia são mulheres e dos formados em informática e ciência da computação são cerca de 40%. Entretanto, o apagamento feminino nessas e em outras áreas, não se dá apenas na formação ou atuação nelas. Muitas vezes, ao longo da história, sua participação foi encoberta e não creditada, aumentando ainda mais o estigma de certas áreas do conhecimento como “lugares masculinos”.
Este é o caso de seis mulheres norte-americanas, que na década de 1940 já programavam o que viria a ser um dos primeiros computadores da história, em um momento onde programação nem sequer, de fato, existia. O Eniac - Computador e Integrador Numérico Eletrônico foi o primeiro computador digital totalmente eletrônico dá história e, apesar de ter sido criado com objetivos militares durante a segunda guerra mundial, é conhecido como um dos percussores dos computadores de uso pessoal que viemos conhecer décadas depois. Ocupando 180 m² de área construída, pesando dezenas de toneladas, possuindo 70 mil resistores e 18 mil válvulas, começou a ser desenvolvido em 1943 de forma secreta com o propósito de auxiliar cálculos balísticos na segunda grande guerra. Se comparado com a atualidade, o Eniac possui a mesma capacidade de processamento que uma calculadora, mas durante os anos em que esteve ativo, estima-se que produziu mais contas do que a humanidade já havia sido capaz manualmente.
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ENIAC (créditos: ARL Technical Library / U.S. Army)
Exposto a público oficialmente no ano de 1946 pelo governo norte-americano, tinha a capacidade de realizar cerca de 5 mil operações por segundo, o Eniac alavancou os nomes de John Eckert e John Mauchly, responsáveis pela idealização e criação do aparato. Sendo eles um físico e um Engenheiro de Projetos respectivamente, foram as mentes por trás da criação do projeto que viria a ser o antecessor de tecnologias que conhecemos hoje. Apesar disso, para de fato programar uma máquina daquela dimensão e complexidade, era necessário recrutar uma força de trabalho maior e integralmente dedicada à ferramenta. “Muitos outros na escola também ajudaram”, informava a notícia publicada no The New York Times sobre o anúncio de divulgação do Eniac.
É necessário recordar que, na época, a oferta de mão de obra era escassa devido à guerra que acontecia no outro continente. Sendo assim, a Universidade da Pensilvânia (onde o Eniac havia sido montado) recrutou mulheres matemáticas ao redor do país e as trouxe com o objetivo de suprir esta demanda. O trabalho consistia em um esforço manual de conexão de fios em uma certa ordem que ditaria o que a máquina deveria calcular. Apesar de parecer simples, naquela época não existia o que hoje conhecemos como programação ou linguagens como Phyton ou JavaScript para facilitar o processo, tudo era inédito e precisaria ser criado do zero. Neste contexto, o trabalho de Betty Holberton, Jean Jennings Bartik, Kay McNulty, Marlyn Wescoff Meltzer, Ruth Lichterman e Frances Bilas Spence era suprir o Eniac com as informações matemáticas para seu funcionamento, já que sua finalidade era reduzir a segundos o trabalho de dias de cálculo.
O que as seis mulheres faziam era uma atividade inédita, juntas elas tiveram que descobrir como operar a máquina e programá-la. Para isso criaram seu próprio sistema de funcionamento a partir dos diagramas de blocos lógicos e elétricos criados por Eckert e Mauchly. As computadoras (como foram nomeadas pelo exército norte-americano para quando fossem reconhecidas como, de fato, matemáticas) desenvolveram fluxogramas, folhas de programação e escreveram programas para manusear a interface composta pelos milhares de fios para que a resposta fosse apresentada no sistema de luzes disposto em painéis. "Eles nos deram esses grandes diagramas de blocos. E deveríamos estudá-los e descobrir como programá-los. Obviamente não tínhamos a menor ideia do que estávamos fazendo ", pontuou uma das programadoras da equipe.
Apesar de todo o seu trabalho e dedicação para que o Eniac de fato funcionasse e pudesse ser utilizado não só para cálculos balísticos - seu objetivo inicial - mas executasse cálculos de diversas naturezas pelos dez anos em que esteve em uso, as programadoras não foram reconhecidas por seu trabalho. Na primeira apresentação oficial do equipamento, em 1946, as mulheres estavam presentes, mas foram encarregadas de servir café para os convidados e não foram citadas no processo de desenvolvimento. A partir da segunda demonstração, sua presença já não existia, uma vez que até mesmo em seus crachás eram intituladas como SP – subprofessional, situação que se manteve por décadas.
Foi apenas na década de 1980 que essa história foi rememorada, através da curiosidade e insistência de uma jovem estudante da Universidade de Harvard. Durante sua graduação em ciência da computação, Kathryn Kleiman buscava entender os motivos para a pouca participação feminina em sua área, tanto em dias contemporâneos, com colegas e professoras, quanto no passado, como criadoras ou pesquisadoras. Foi em meio a essa inquietação que a estudante encontrou em pesquisas uma foto publicada sobre o lançamento do Eniac, onde estavam presentes quatro homens e duas mulheres, e sua curiosidade foi instigada já que, na legenda, apenas os homens eram identificados. Seguindo em sua pesquisa Kathy mostrou a imagem para muitas pessoas, entre estudiosos da computação e historiadores, que não sabiam informar quem seriam as mulheres fotografadas. Não conformada com as respostas que recebeu a cientista procurou então saber mais sobre o projeto. Quanto mais imagens procurava mais via, repetidamente, o rosto das seis mulheres presentes, mas sempre sem sua identificação.
Traçando como objetivo desmistificar a história, Kleiman procurou a cofundadora do Computer History Museum, Gwen Bell. "São apenas mulheres de propaganda de geladeira" informou ela a estudante, em referência às modelos comuns na época em que as imagens haviam sido tiradas (entre os anos 1940 e 1950) em comerciais de eletrodomésticos. Apesar de trazer alguma solução para Kathy, a resposta não a satisfez, e continuando sua pesquisa ela pode então encontrar o nome das seis jovens em questão. Com a identificação dessas mulheres foi possível resgatar sua história já que, formadas, e com o conhecimento que tinham em um momento em que os homens voltavam da guerra - sendo a massiva maioria sem faculdade ou intenção de frequentar uma - Frances, Ruth, Jean, Kathleen, Marlyn e Betty continuaram com carreiras na tecnologia como professoras e criadoras de ferramentas percursoras, mesmo sem a programação do Eniac em seu currículo: " Nós éramos como pilotos de caça [...] você não pode pegar qualquer piloto de avião e colocar ele em um caça e dizer para ele pilotar. Não podia ser desse jeito." Conta Kathleen em entrevista cerca de 50 anos depois de seu trabalho no Eniac.
Instigada a entender porque as mulheres não eram identificadas nas imagens, Kathy buscou encontrar as programadoras e desmistificar a história. Próximo ao aniversário de 50 anos do lançamento do Eniac, Kleiman telefonou para a organização Women in Technology International (WITI) questionando qual seria a homenagem às seis computadoras, mas infelizmente a resposta não foi positiva e a instituição que foi criada, justamente com o objetivo de promover mulheres inseridas no mundo da tecnologia, nem sequer sabia quem eram as matemáticas. No dia da comemoração, de fato, as mulheres não foram reconhecidas e três delas sequer foram convidadas para o evento.
Com vontade de mudar essa realidade a então estudante decidiu fazer algo a respeito. Foi daí que surgiu a ideia do Eniac Programes Project, que após anos de colhimento de material, depoimentos e pesquisa, resulta no documentário The Computers, lançado em 2014 e que conta com imagens originais em vídeo do Eniac sendo operado pelas seis mulheres. Ainda antes do lançamento do documentário, que foi produzido ao longo de quase 20 anos de pesquisa, a pesquisa de Kathy trouxe o merecido reconhecimento para as mulheres que foram introduzidas ao Hall da fama do WITI em 1997 e prêmios pelo Computing History Museum.
AINDA ANTES
Trazendo luz a mulheres brilhantes que contribuíram não só para a tecnologia computacional atual, mas para a matemática utilizada nesses dispositivos que hoje são fundamentais para as engenharias, planejamentos e todo o nosso dia a dia, precisamos lembrar que há mais de um século Ada Lovelace já contribuía para esse desenvolvimento. Augusta Ada Byron King (o sobrenome Lovelace foi somado ao se casar) é reconhecida como a primeira programadora da história. Responsável pelo primeiro algoritmo utilizado no que seria o mais próximo de um computador no início Século XIX. Ada era entusiasta da matemática desde a infância, incentivada pela mãe também cientista que, aos 19 anos, conheceu Charles Babbage - o criador da máquina já citada, conhecida como Máquina Analítica, e, após dez anos, recebeu a missão de traduzir do italiano um artigo sobre o funcionamento do equipamento. Ao realizar o trabalho, Lovelace adicionou notas pessoais sobre a máquina tornando o artigo original três vezes maior ao sugerir possibilidades para o funcionamento dos cálculos na criação de Babbage. Estas anotações de fato foram introduzidas e Ada foi reconhecida como a primeira programadora de computador da história.
MERCADO DE TECNOLOGIA É LUGAR DE MULHER
Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de gênero, esse é o tema da ONU para o Dia Internacional das Mulheres, comemorado 8 em de março. Buscando defender mulheres e meninas que lutam pela inovação com uma tecnologia que transforma e a educação digital para todos, as ações deste ano têm foco em entender e propor soluções para o déficit de gênero em tecnologia e seus impactos sociais e econômicos, além de discutir a proteção dos direitos das mulheres em espaços digitais e a violência facilitada por meios virtuais a essa parcela da população mundial. “Trazer mulheres e outros grupos marginalizados para a tecnologia, resulta em soluções mais criativas e com maior potencial para inovações que atendam às necessidades das mulheres e promovam a igualdade de gênero” traz a notícia no site oficial da ONU Mulheres, ao apresentar a temática deste ano.
Segundo o relatório da Organização divulgado no ano de 2022, a ausência, por vezes, a exclusão de mulheres do mundo digital, gerou a perda de US$ 1 trilhão de dólares do Produto Interno Bruto de países com baixa ou média renda apenas na última década, com previsão de aumento para US$ 1,5 trilhão até 2025, se continuarmos desta maneira. Ainda sobre a pesquisa disponibilizada pela Unesco apresentada no início, enquanto 33,3% de pesquisadores do país são mulheres, elas continuam a receber bolsas de pesquisa menores que seus colegas do sexo masculino mesmo com currículo semelhante e o número de mulheres que fazem parte das academias de ciências nacionais cai para 12%.
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